Certa vez estive em expedição ao município de Santana do Matos, no vizinho estado do Rio Grande do Norte, com o objetivo de acompanhar uma atividade de salvamento arqueológico na necrópole indígena Serrote dos Caboclos, empreendida pela equipe do Laboratório do Homem Potiguar (da UERN/Mossoró) coordenado pelo Prof. Valdecí dos Santos Júnior.
O sítio arqueológico está localizado no povoado denominado Tapuia, um agrupamento de casas soltas por onde se acessa a serra dos Caboclos, uma formação do cristalino soerguida em forma de ‘U’, ligando-se a outras serras do complexo de Santana. Trata-se dos primeiros contrafortes do Planalto da Borborema Potiguar, região cuja densidade de testemunhos pré-históricos é elevada e o atual vazio demográfico é desafiador.
A caminhada se deu em meio a uma vegetação arbustiva, sem nenhum indício de trilhas, veredas ou caminhos e assim, investimos na subida. A encosta íngreme da serra aniquilou a resistência da equipe, que subiu com dificuldade. Pernas ‘bambas’, respiração ofegante e a garganta por vezes colada eram alguns dos indícios de que a empreitada exigira bastante da resistência física e psicológica da equipe. Olhávamos para trás (na verdade para baixo!) e víamos o mundo aos nossos pés, impressão evidenciada pela longa planície a oeste, onde está assentada a região do Seridó norte-rio-grandense; distante dali, o Pico do Cabugy, imponente, riscava a paisagem. A caminhada parecia que não findaria. Furadas em espinhos de cactos, escorregões na terra solta do arvoredo e os blocos rochosos que teriam que ser ascendidos, dificultava ainda mais o percurso, além da incerteza do guia, que por vezes andou sozinho para relembrar o caminho correto.
Finalmente chegamos ao cume da Serra, onde encontramos o sítio arqueológico Serrote dos Caboclos, uma furna composta por um afloramento granítico contendo uma abertura em parábola com 3m de largura e 6m de profundidade, voltada para oeste. O solo da furna é ligeiramente inclinado no sentido entrada/saída da furna. No “frontispício” do abrigo, existe um difuso painel de inscrições rupestres na coloração vermelha, composto por algumas poucas manchas; no interior, até a porção desnuda de sedimento, não existe quaisquer indício de pintura.
O solo é extremamente arenoso, fino, desprovido de umidade e a própria furna é completamente protegida da chuva e do sol e, este último, só adentra cerca de 1m durante o entardecer. Estas características induzem que os vestígios pré-históricos estejam um pouco mais preservados.
Não se sabe se em todo o interior da furna há enterramentos, no início dos trabalhos, vários testemunhos arqueológicos figuravam na superfície, tais como ossos diversos, inclusive um osso longo com pinturas em ocre; uma pequena organização que sugeriria um colar ou pulseira composta por fibras, tendo como contas uma espécie de semente; além de carvões e cabelos.
Soubemos através de populares que o sítio pré-histórico tem sido profanado desde os anos de 1940/50 por leigos que supostamente buscavam ‘tesouros’. Este ato foi totalmente pernicioso para o sítio, pois o revolvimento de solo descontextualizou a localização dos achados comprometendo qualquer análise cronológica, triste destino de várias necrópoles do interior do Nordeste.
Findamos a expedição no fim da tarde. A exaustão que nos desolara foi plenamente recompensada por um lindo pôr do sol, tons rubros se esmaeciam no horizonte, pintando de sombras o Pico do Cabugy e outras serras ao longe. Uma dádiva da natureza.
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