Por se tratar da terceira cidade mais antiga do Brasil, João Pessoa possui um imponente patrimônio histórico revelado em seus casarões, prédios, praças e igrejas de seu centro antigo. O traçado urbano do núcleo velho da cidade revela as feições pretéritas de uma cidade de grande importância. Sobressaltam, dentre as vetustas edificações, alguns becos e vielas históricos que nos tempos de hoje ocultam parte da boemia e de uma intensa vida profana da capital paraibana. O Ponto de Cem Réis vem a ser a concentração, reunindo toda sorte de gente para os mais diversos fins durante os dias, noites e madrugadas.
Este epicentro antigo oculta em seu subsolo uma grande riqueza histórica, são objetos e fragmentos que foram ao longo dos séculos se acumulando e hoje testemunham momentos do passado da capital. Atendendo a este patrimônio oculto no subsolo, estive integrando uma equipe que realizou uma atividade de salvamento arqueológico que consistiu no acompanhamento das obras de escavação para a introdução de dutos subterrâneos para linha telefônica e internet. No momento em que se cavava as bordas das ruas mais antigas, observávamos o aparecimento de materiais que pudessem nos “falar” sobre o passado do lugar. Assim, passamos vários dias neste mister.
A experiência de acompanhar estas obras dotou-nos de um conhecimento não só da dura vida de trabalhadores braçais, como também, pudemos conhecer figuras hilárias e folclóricas que bailam nas sombras da madrugada pessoense, de bar em bar, de cabaré em cabaré, de beco em beco, que, esparsos no Centro Histórico, dão uma aura boêmia e ímpia à madrugada e só os antigos prédios históricos testemunhavam as peripécias desses seus frequentadores.
Como a obra impreterivelmente interromperia o trânsito urbano de uma área central (e isto não era conveniente!), o empreendimento se desenrolou em sua maioria à noite/madrugada (das 19h00 às 05h00) e neste momento, passávamos a dividir a rua com os trabalhadores e transeuntes noturnos, estes, pregando verdadeiras peças aos trabalhadores (e a nós, por que não?): prostitutas que se ofereciam e eram cortejadas, boêmios que ofertavam bebidas, menestréis que cantarolavam sozinhos em busca de suas inspirações, homens perdidos desejosos de saber onde seria o cabaré ou bar mais próximo, etc. Tudo isso parecia acalentar um pouco a dura rotina, fazendo com que o grupo servil pudesse, em momentos, sorrir e se deleitar.
O trabalho funcionava tecnicamente da seguinte forma: para abrir valas (com 0,30m de largura e 1m de profundidade) ou poços (quadrados com 1,80m de profundidade e 2m de largura), dois trabalhadores (em cada trecho) se revezavam em um único lugar. Primeiro a grossa camada de asfalto era retirada a partir de golpes de marreta ou com o britador elétrico. Em seguida, a camada de paralelepípedos era vencida a partir dos duros golpes da marreta, que descolava os blocos paralelos, abrindo caminhos para os escavadores; aí eram dois, um que batia com a picareta o sedimento e outro com a pá retirava a terra solta.
Por vezes, o trabalho era interrompido por tubulações d’água que eram rompidas. Vinham então a salvadora figura dos consertadores de cano, um daqueles artífices que tinham a técnica de emendar a tubulação no escuro, sem iluminação, baseado-se apenas no tato e conseguindo exercer este difícil ofício rapidamente.
Durante toda a trajetória até o último centímetro cavado, nós da equipe estivemos atentos a tudo, a cada picaretada, a cada palmo de terra que saíra dos buracos. Ficávamos de prontidão andando de um lado a outro, portando uma lanterna, observando atentamente aquele sedimento e preparado para o possível aparecimento de material arqueológico que pudesse efetivamente testemunhar e nos dizer como era o cotidiano da capital paraibana em outrora.
Assim foi acompanhar a obra, observando, registrando, fotografando e escrevendo sobre todo o material coletado, contribuindo com a elucidação de momentos do passado e conhecendo literalmente os mistérios da meia-noite deste que é um dos aglomerados urbanos mais antigos do país.
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