É sábado e chove intensamente. O temporal que cai em João Pessoa parece ter muito mais volume do que a chuva que estamos acostumados no cume da Borborema, nos Cariris Velhos, no Mundo-Sertão. A chuva grossa aqui da capital é como uma cachoeira, muita água de uma vez só. Lá não! Nos áridos rincões caririzeiros a chuva grossa se espalha, parecendo querer abraçar de uma só vez toda aquela terra sedenta; enxergamos facilmente aqueles pingos grossos, esparsos e reluzentes como prata. Outra diferença é que se torna difícil sentir frio no litoral, mesmo com chuva. Lá em cima da Serra, esse momento de inverno é celebrado como um festival de couro, jeans e lã num verdadeiro desfile de casacos, cachecóis e outros apetrechos para conviver com as baixas temperaturas, sobretudo à noite. Campina Grande está fria, parece Campina de outrora, como dizem os mais antigos... Um amigo me contou que numa dessas noites em Gurjão o termômetro marcou 13,2º, frio demais!
Foi nessa manhã chuvosa e quente que na companhia do amigo Prof. Zezito fomos fazer uma visita ao casal Berilo e Dora Borba e um objetivo nos unia: discutir sobre futuras ações do Instituto Histórico e Geográfico de Serra Branca - IHGSB, entidade cultural presidida pelo Prof. Zezito e tem como presidente de honra o Doutor Berilo.
Como hoje é sábado, tínhamos que dar nem que fosse uma passada rápida na Livraria do Luiz; não podíamos nos furtar de encontrar aquela plêiade maravilhosa de intelectuais que, reunidos nesse encontro sabático, prestigiavam mais um lançamento de livro. Dessa vez, as atenções se voltavam para os ‘Sinais’ (Editora Arribaçã, capitaneada por Linaldo Guedes e Lenilson Oliveira) da simpática poeta Emília Guerra. Passando de passagem, ainda foi possível conversar com os amigos Luiz Paiva, Irani Medeiros, Hildeberto Barbosa, Guy Joseph, Milton Marques, Dom Cardoso, Gilmar Leite, José Nunes, Antônio David, Guilherme Lins, William Costa, além de cumprimentar tantas outras figuras. Livraria lotada e Ricardo (filho do saudoso Luiz) lá fora só observando o movimento e, para variar, fumando. Não podendo demorar, nos despedimos e prosseguimos.
De frente ao Paraíba Palace, uma piscina se formava no Ponto de Cem Réis, ilhando o banco de Livardo Alves. Na Praça João Pessoa, o monumento (que passou meses interditado) estava limpo e liberado desde a manhã de ontem (26 de julho) quando das comemorações alusivas à sua morte. A chuva apertou um pouco enquanto nos dirigíamos ao bairro dos Estados, mais precisamente para a antiga Fazenda Boi Só, onde está o condomínio Alphaville. A sede da antiga fazenda é um soberbo sobrado construído em 1862 e o conjunto com casa de farinha e capela está devidamente preservado, dá gosto de ver. Admiramos aquela arquitetura rural e chegamos à residência dos amigos.
Berilo Ramos Borba e Maria Auxiliadora (Dora) Bezerra Borba formam um casal de singular beleza e rara afinidade. Intelectuais de volumosa pesquisa e produção cultural, estão sempre juntos e integram várias instituições culturais, dentre elas o IHGSB. Eles nos receberam com a velha e genuína hospitalidade caririzeira, Berilo perguntando por novidades de Serra Branca, sua terra natal; Dona Dora nos mostrando calmamente a decoração da casa, obras de arte dividem espaço com imagens sacras, ornando elegantemente a sala. Os móveis rústicos nos remetem a um passado distante e as fotos de netos convivem com imagens antigas do casal numa ternura gostosa que muito apraz. Tudo é bem organizado, aconchegante e cada objeto foi cuidadosamente escolhido tornando o ambiente único. No escritório, suas poltronas refletem o amor e a história de suas vidas, lado a lado proporcionam o momento de leitura, escrita e boas conversas. Nos fundos, uma área aberta, bem decorada e ventilada, ladeada por um florido jardim; foi ali que passamos a maior parte do tempo numa conversa que não queria ter fim. O passado referenciava o presente e uma história emociona o Prof. Berilo, é o relato de um acontecimento em setembro de 1912 quando seu avô Joaquim Borba é vítima da investida do cangaceiro Manoel Sobral, que aterrorizou por horas aquela família que morava na casa grande da Fazenda Serra Branca, hoje sede de nosso Instituto, a Casa Dias Borba. O processo foi encontrado pelo Prof. Zezito na Comarca de São João do Cariri e uma cópia faz parte do nosso acervo. Ideias foram postas à mesa, o IHGSB vai muito bem!
A harmonia estampava nossos sorrisos. Já era fim de tarde, Zezito e eu nos despedimos e, acompanhados pela chuva, voltamos a Serra da Borborema.
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