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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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  • Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

A festa do padre


Padre em desenho - Cory Thoman | Dreamstime.com

EM UMA CIDADE bem distante, as festas juninas sempre foram celebradas como o principal evento do ano. Muito bem movimentada, cada um enfeitava sua casa e havia disputa entre as famílias de qual residência e que rua era a mais enfeitada. O prêmio era a alegria e o orgulho de reunir famílias, vizinhos, amigos e todos que se achegassem. Havia rua repleta de bandeirolas, outras enfeitadas de lanternas dependuradas por todos os lados; quando não se organizava uma fogueira por casa, faziam uma gigante onde a criançada brincava ao redor soltando traques, bombinhas e chuveirinhos. Em uma determinada rua, morava Chico balãozeiro e dali dezenas de balões coloridos ganhavam o céu, tornando-se dourados lá no alto. Tinha criança com pequenos espelhos encostados ao corpo espiando o balão pelo reflexo, isso garantia que o balão cairia e o autor da proeza era o mais astuto com o espelho, coisa de menino!


Comidas de milho eram aos montes, um cheiro só, contagiante, marcante; canjica, pamonha, milho cozido ou assado, angu e também os churrascos de carne e caldos verde, de galinha, batatinha, etc. É impressionante como o ar daqueles dias era outro. Todos os santos do período: Santo Antônio, São João, São Pedro/São Paulo eram festejadíssimos, com pequenas novenas, recolhimento de donativos e a fogueira que anuncia sempre a véspera. Aliás, quando começa o plantio de milho e feijão, coincide com o dia de São José em 19 de março, ali já se acende uma fogueira, é a lembrança para os viventes do que estava por vir. A partir daí as quadrilhas juninas começavam seus ensaios e confecção de roupas e adereços.


Ah que cidade animada, mês inteiro de festança! Antigamente, há algumas décadas, passou um padre pela paróquia que era muito fervoroso em sua fé e em suas convicções. Um líder sem igual, mas que trazia consigo costumes não convencionais para um sacerdote. A festa junina era muito bem aproveitada por ele, isso não é problema nenhum, inclusive de frente a casa paroquial organizava e puxava os passos da quadrilha, sempre de batina e dançando aos montes. A maioria da comunidade achava graça e gostava, as pessoas mais recatadas reclamavam: “– Um padre se passando por um papel desse, esse mundo tá perdido!” era o que se ouvia de alguns. Mas esses que não engoliam o comportamento do santo padre durante o mês de junho, não imagina o que ele praticava nos quatro sábados do mês. É que alguns anos antes a mansão do médico da cidade foi posta para aluguel, já que o doutor recebera o convite para trabalhar na capital e na luxuosa habitação se instalou um lugar de encontros de amorosos, um lupanar, que logo se tornou o cabaré mais concorrido da cidade, com moças vindas de estados vizinhos e que pouco apareciam fora dos quatro muros daquele imenso quarteirão.


Políticos, advogados, poetas, escritores frequentavam o lugar, gente da alta. Restava aos trabalhadores os lugares mais modestos instalados na “feira de galinhas”. Dentre os frequentadores estava quem? O padre. Sim, o padre. Mas não é momento de crucifica-lo, vejamos sua prática. Como a dona do lugar não tinha fama conhecida na cidade, ele aproveitou um fim de missa para abordá-la e fazer uma proposta, queria ele subir a ladeira do curtume e entrar por uma portinhola nos fundos, dando em uma das cozinhas. Ela não fez objeção e quando voltou contou para as outras meninas que caçoaram a situação dizendo todo tipo de lorota com o clérigo. Primeiro sábado de junho, a cidade já deitada em festa, ele chega às 22h e aquela imagem do homem todo em preto e de chapéu saindo da penumbra do jardim assustou uma das meninas que gritou, achando ser uma assombração. “– Ah seu padre, quase me matou de susto”; “– Me chame sua patroa” e o trato foi feito. O combinado: Ele vinha discreto nesses sábados, na cozinha, botava um forrozinho de Luiz Gonzaga na radiola, dançava umas cinco músicas com uma delas tomando algumas taças de vinho e a levava para o quarto. Elas se olharam, mas aceitaram. Dinheiro de padre só pode ser santo!


Três delas fizeram a animação e dançaram ao redor do Padre, ele pegou uma delas. Pouco tempo depois, perguntou onde era o quarto. Lá, ele sentou na cama, pôs ela emborcada em seu colo, levantou a saia e deu dez palmadas depois mandou que se vestisse. Se ajoelhou e pediu que se ajoelhasse ao seu lado. Rezou vinte ‘Pai Nosso’, trinta ‘Ave Maria’ além do credo e outras orações pedindo perdão a Deus pelos pecados do mundo. Tempos depois até pequenas novenas estava fazendo para as damas de companhia. Isso se repetiu por anos até que o padre faleceu. Afeiçoadas que eram a ele, todas as meninas entraram juntas na igreja para fazer-lhe a última homenagem. Aguentaram todo tipo de cara feia das carolas e as “damas de bem” que, intrigadas, queriam saber o que faziam na igreja, foi quando um gaiato que vendia bebidas na mansão gritou de lá: “– O santo padre gostava muito das bichinhas viu?”.


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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 17 de junho de 2023.

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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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