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TURISMO & HISTÓRIA

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Chuva de sentimentos

Foto do escritor: Thomas Bruno OliveiraThomas Bruno Oliveira

Petricor, o molhar da chuva - shakaloide

A CHUVA FOI ALGO que sempre me atraiu. Talvez essa predileção advenha da infância. Em tenra idade, tive muitos problemas respiratórios, chegando a ter crises de cansaço constantes, principalmente no inverno. Com o passar dos anos e os pulmões já bem fortalecidos, os dias chuvosos não mais aborreciam como antes e passei a aproveitar. Mas é isso, sempre curti a chuva, ela esconde em si um quê de mistério, são aquelas nuvens intensas e escuras que dão tons sombrios, são névoas que tomam o horizonte com um acortinado fino e intrigante. E quando vem os trovões e raios? Uma aura de encantamento e medo toma os viventes. E o que dizer daquele impagável perfume das gotas no chão de terra, nos jardins, nas ruas? Um ‘petricor’, fluído etéreo que para mim é muito confortante. E quando estou no meu Mundo-Sertão, onde posso contemplar melhor a natureza, esse cenário é como um presente divino.


Lembro que devia ter uns onze anos e fui à padaria em um sábado à tarde comprar o pão para minha casa e minha avó Poté, a chuva chegou antes mesmo que eu vencesse a esquina. Olhei para trás temendo que minha mãe mandasse eu voltar para pegar o guarda-chuva, ainda bem que não deu tempo. As gotas enormes, pingos grossos e as águas pluviais já desciam nos aceiros e formavam algumas poças. De bermuda, camiseta e sandália, pisava em cada canto molhado. Abria os braços, esperava a vez de atravessar a rua e viajava naquelas sensações. Não como Gene Kelly no clássico filme ‘Cantando na chuva’ (1952), mas me deleitava com aquele revigorante banho de sentimentos, de alegria, de vida, de chuva. Cada porção de pão embalada em duas sacolas, uma emborcada para não molhar o pão e volto feliz da vida para casa com um pãozinho francês ainda quente que degustamos com manteiga e café.


Ator Gene Kelly em cena do musical 'Cantando na Chuva' (Reprodução/VEJA)

Desde dezembro último que chove aqui por Campina Grande. A noite com o sopro gélido tipicamente serrano; já de dia, ela vem após um período de calor intenso, que segundo os mais velhos é sim prenúncio de chuva. É ver qualquer noticiário e nos deparamos com uma fartura de problemas oriundos das chuvas. Nosso país enfrentando toda sorte de dificuldades, chuvas acima da média em vários lugares e não só aqui, mas nesses últimos dias, Dubai (nos Emirados Árabes) em pleno deserto recebeu em poucas horas a quantidade de chuva equivalente a dois anos. Desastres ambientais aos montes, o clima do planeta parece ter enlouquecido.


Essa semana, ao sair do trabalho, resolvi parar em algum lugar para comprar a “mistura” para o almoço e já perto de casa tomei essa decisão. Desci os vidros, a barra na aurora se formava, nuvens de tons escuros se remexiam no céu e aquela brisa fria entrava suavemente pelas janelas do carro. E eu ia me divertindo agradecendo aos céus a possibilidade de mais uma chuvinha. Perambulei pelas ruas do bairro fitando o céu, ouvindo Djavan na rádio Educativa FM, benesse do IFPB Campina Grande. O que comprar? Passei pela feirinha de Bodocongó, por alguns bares e me lembrei do Bar do Rafa onde se vende um bom filé de carneiro e linguiça caseira e fui até lá.


Antiga Escola Joaquim Pe. Neto e sua quadra - Google Maps

Rafa fica na esquina de uma pequena rua, mas enorme em meu coração. É que há poucos metros funcionou a Escola Joaquim Pe. Neto onde estudei por oito anos, da primeira a oitava série. Dali tenho inúmeras e marcantes lembranças de minha infância. Meus professores e professoras, mestres de uma vida inteira. Amigos, amigas, meus primos e minha irmã que lá estudaram por minha influência. A Diretora e proprietária Dona Clisneide que muito me ensinou. Ali aprendi grandes valores que me conduziram até aqui. O prédio ainda está lá, defronte está a quadra bem estruturada que no meu tempo era apenas um terreno murado onde cumpríamos a educação física e brincávamos de bola quando a Diretora permitia. Formado, sonhei em dar aulas lá, não deu tempo e a escola encerrou suas atividades. Desço do carro, olho para os lados e na melancolia de uma rua deserta me escoro na porta relembrando as idas e vindas durante anos, uma vida marcada pelo estudo e por uma educação rígida de casa à escola.


Um sereno começa a cair e suas gotículas se misturam com lágrimas saudosas de um tempo de simplicidade, também de muita alegria e amor. E a chuvinha lavando esse sentimento, me religando ao passado.


Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!


Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 20 de abril de 2024.

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A Bodeguita

4 Comments


The Mcx
The Mcx
Apr 28, 2024

Que tema maravilhoso dessa crônica! Adoro a chuva.

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elieziocabral
Apr 27, 2024

Deve ser uma ótima sensação para o aluno que estudou em determinada escola a qual o ajudou a trilhar o caminho do saber, e quando ele torna-se um professor, volta a esse lugar, não mais como estudante ou como um simples visitante mas como professor daquela instituição de ensino.

Só não foi possível devido o seu fechamento mas ao menos ainda existe o prédio e deu tempo de fazer esse ótimo relato.

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Thomas Bruno Oliveira
Thomas Bruno Oliveira
Jun 30, 2024
Replying to

É verdade meu amigo... Grande abraço!

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Marcelo Reul
Marcelo Reul
Apr 27, 2024

De fato professor Thomas, a chuva sempre foi sinônimo de fartura, de esperança, de um futuro melhor, principalmente no nosso Nordeste, onde a agricultura de subsistência é predominante; mas, já que tocou no assunto, um amigo meu "Edinaldo Barbosa" nos idos anos 80, gostava sempre de afirmar: a chuva trás prosperidade, não só para o agricultor, mas para todos os profissionais.

O comerciante vende seus produtos de capa e guarda chuvas e casacos, o lavador de carro, o pedreiro que conserta goteiras, o taxista, o vendedores e consertos de sapato, e, até o técnico de conserto de tv e rádio, (que era a profissão de Edinaldo), pois os aparelhos tinham problemas com humildade.

Assim, a chuva traz fartura para todos!

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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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