Era tarde de uma quinta-feira, a última de agosto desse dezenove que, aliás, tem transcorrido velozmente. Descemos o Planalto da Borborema: Prof. Josemir Camilo, o poeta José Edmilson Rodrigues e eu. Nosso destino foi a histórica cidade pernambucana de Goiana onde à noite iríamos prestigiar a Sessão Magna comemorativa dos 149 anos do IHAGGO – Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana. O Ihaggo é o primeiro Instituto Histórico de caráter municipal criado no Brasil e Goiana, zona limítrofe de Pernambuco com a Parahyba, compõe uma região de grande relevância histórica, palco de inúmeros conflitos e decisões importantes.
Poderíamos ir pelo caminho convencional, seguindo a BR 230 até a 101 (em João Pessoa), estrada duplicada, segura, mas pouco inspiradora. Preferimos seguir “por dentro”, o que não quer dizer irmos pelo Boqueirão de Gurinhém / Itabaiana (como fazia a viação Progresso), mas ainda mais por dentro, por Ingá. As estradas que pegaríamos em seguida, todas estaduais, possuem menos estrutura, porém, maior contato com as cidades, com as gentes desses lugares, com a história. Assim, passamos por Ingá e seguimos rumo a Mogeiro com sua antiga distinção entre Mogeiro de cima e Mogeiro de baixo, unificadas na emancipação em 1961. Lamentei ver a modificação na igreja de Nossa Senhora das Dores, sua arquitetura centenária foi em parte modificada, acrescentaram cúpulas piramidais nas laterais formando torres. Soube que a reforma foi em 2016, uma pena.
No caminho de Itabaiana, Prof. Camilo reconheceu o ambiente e anunciou que chegávamos às terras da Fazenda Ramalho, d’onde seu pai e tios penaram em relações arcaicas de trabalho que sempre massacravam o pequeno agricultor. Em Itabaiana, rodamos as ruas centrais admirando o casario, a matriz, o coreto. Atentos a toda aquela arquitetura, passamos pelo cemitério da Boa Morte e nos despedimos rumo a Juripiranga. Aquela rodovia, a PE 075 é o caminho dos canaviais, mas como está maltratada! Há trechos em que as duas faixas se resumem a um só lado, o risco é constante. Passamos por Caricé e pelo bem conservado engenho Uruaé. Chegando a Goiana, ainda claro, fizemos um percurso por seus marcos históricos e também pelos caminhos do Josemir Camilo em lembranças caras de sua mocidade. A esse tempo, Edmilson e eu éramos afortunados por histórias cativantes, Camilo fazia uma arqueologia urbana, transcendendo o tempo e compondo uma cidade que ainda possui vários de seus marcos, mas inúmeras mudanças que o tempo e as novas necessidades impuseram.
Paramos defronte à igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, onde funciona excepcionalmente a matriz que, em reforma, encontra-se fechada. Ali Camilo chamou a atenção de uma data quase imperceptível, no frontispício há dois peixes em pedra. Rapidamente fizemos algumas fotos e descobrimos a mensagem (ANNO De18XXXVI), se referindo ao ano de 1836. Mas como? O Barroco flamejante do templo deveria evocar uma construção bem mais antiga, seria então um Barroco tardio? A priori, identificamos que os peixes, apesar da simbologia, destoavam do conjunto. Até a pedra que forjou o ornamento parecia ser mais recente que a cantaria do conjunto. Seria aquela data referente a uma reforma? Suposições... Fomos a Praça Frei Caneca contemplar o conjunto Carmelita e nas costas, ao longe, a imponente matriz.
O sol se despedia, o amarelo-rubro do ocaso foi sendo gradativamente tomado pelo entediante amarelo dos postes... continuamos o passeio. Os vestígios do tempo transmutavam-se com a poeira do presente. Ruas que em outrora possuía canteiros no centro, perderam o seu aprazível charme e também o seu tempo; hoje o asfalto e os transportes em pressa constante pouco lembram aquela Goiana onde se andava a pé. Uma cidade sensível nos foi descortinada; fomos à baixinha, vila operária antiga. Empolgantes lembranças de uma cidade que Camilo conhece como a si próprio; devagar passamos pela rua das Laranjeiras, em parte modificada, mas conservando ainda o número 94, onde ele viveu.
A hora chega e vamos para o antigo Casarão do Poeta Adelmar Tavares, a sede do Ihaggo, onde fomos muito bem recebidos por seu Presidente, o Harlan Gadelha. A sessão, que também comemorava os 198 anos da criação da Junta Governativa de Goiana (antecipando os acontecimentos de 1822) contou com a música da sesquicentenária banda Curica, a mais antiga da América Latina em atividade; e em um momento especial houve a entrega do título de sócio correspondente a dez intelectuais, dentre eles, o Prof. Camilo. Justa homenagem do Ihaggo a esse recifense cuja relação afetiva com Goiana é imensurável.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 7 de setembro de 2019.
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