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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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  • Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

A menina das pedras

Atualizado: 10 de set. de 2020


Açude público de Gurjão (José Agácio Borges), Cariri parahybano (Ritinha Cantalice)

Com seu espírito sempre aventureiro, ela segue mundo à fora, sai sem destino. Ainda são oito e quarenta da manhã, ora, o que importa? Mora na rua direita e por trás da sua casa, seu quintal dá para uns currais e depois é a estradinha de saída da pequena cidade. Há um pulo ela se encontra com o que mais gosta, sobretudo quando começam a encher a sua paciência em casa. Gosta de caminhar... de ver gente? Não. Ela gosta é das pedras. Aquele cenário acatingado a inspira, e logo começa a encontrar consigo mesma, entre os pedregulhos, o riacho seco, a fina areia do leito que acolhe o riacho da caatinga. Tudo aquilo para ela é mágico.


Não sabe dizer quando esse seu amor pelo mato surgiu. Talvez tenha sido graças a um tio de seu pai, um dos mais antigos tangerinos da região, vez por outra a levava para uma serra na companhia de mais dois primos, todos entre oito e dez anos, as crianças que tinham na família. Guri é bicho besta e se encanta com tudo. Vaqueiro velho, paramentado com seu manto sagrado de couro marrom, chegava sempre na pedra comprida, um desses lugares mágicos em que notamos a presença de Deus. A Pedra ficava quase no topo da serra, na meia encosta de uma garganta de vale por onde o vento levava folhas e poeira n’um bailar místico e desconcertante, trazendo uivos de longe, cantos de pássaros, grunhidos indecifráveis e vozes dos antigos ancestrais...


A paisagem encantada do Cariri parahybano, porção da Serra de Bodopitá

Daquela Pedra, um verdadeiro mirante, vemos a cidade ao longe de um lado, de outro um tabuleiro que se perdia de vista, o cinza da imensidão era rompido pelo verde intenso de juazeiros e a doçura amarela e rosa dos ipês. Não há como olvidar um cenário daquele. Ali, os três primos ouviam histórias de caçadas, de longas viagens, de maravilhas e misérias que o velho vaqueiro viu por toda sua vida na lida com o gado. Amores, brigas, mas a que ela mais gostava era história que tinha cangaceiro e escravo, aquilo chamava muito a sua atenção. “Tá vendo aquela casa de telhado alto? Tem mais de duzentos anos, Pai Véi, meu avô, ainda conheceu um dos filhos do velho capitão Leonardo de Farias Oliveira que morou naquela casa, dizia que tudo onde a vista alcança era daquela família e que tinha muito gado e muito negro cativo naquela casa grande, lá próximo, numa lagoa de pedra, o cangaceiro Antônio Silvino matou o Tenente Alferes chamado Maurício”, disse o tio tangerino. Os olhos aboticados das crianças reluziam, fascinante aquelas histórias.


Vários anos se passaram e ela caminha para essa mesma pedra enquanto lembra do seu tio avô. Como era mágico aquele homem. Acredita que com aquela hombridade e coragem não há mais ninguém nesse mundo, hoje só tem gente falsa e besta, que não entende nada, muito menos das coisas da terra, do mato, do sítio, do poder mágico que as pedras tem e do que nos pode ensinar, uma voz muda sussurrando em nossos ouvidos e olhos. Ali ela está, sentada, sozinha, no mesmo lugar daqueles tempos, contemplando a imensidão quando seu olhar se perde espiando a soberba casa grande, sede da fazenda Cacimbinha. Já sem telhado e sem aquela imponência de outrora. No mesmo giro da vista, ela vê um muro de pedra e se espanta: “Como nunca reparei naquele muro?”, esfregou os olhos, “será uma visagem?” Não pode ser.


Desceu depressa, foi de encontro ao passador para sobrepujar a cerca e seguiu mais ou menos o rumo do muro de pedra, passou pelo terreiro da casa e imaginou o lugar com vida, parou na soleira, contemplou os frisos das janelas e portas, respirou fundo, sentiu a energia do lugar e seguiu. Mais alguns metros até que enxerga o muro de pedras muito bem arrumadas, do outro lado do muro, uma grande lagoa de pedra, foi quando lembrou da história do seu tio vaqueiro: “Ah, deve ter sido aqui que Antônio Silvino fez uma das suas...” a Lagoa de Pedra tem porte para ajuntar muita água, aquele muro (que circundava toda ela) deveria ser para sua proteção, era muito bem feito e com características mui antigas.


Palmatória rústica da Lagoa de Pedra

Não demorou e ela encontrou um cabo de madeira em parte soterrado, cavou e descobriu uma peça muito interessante, uma espécie de palmatória feita em uma só peça de madeira, de aroeira, cabo longo e palma ovalada. Pensou: “Será que teria sido usada para castigar os cativos que construíram aqueles muros de pedra?”. Voltou para casa pela rodagem, imaginando o sofrimento daqueles escravizados. Encantada estava com mais uma história descoberta. A palmatória? Foi para seu quartinho das maravilhas, seu museu particular, ali também ninguém a perturba.


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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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