Campina Grande, cidade encravada no alto do Planalto da Borborema, possui uma história marcada por mudanças, sobretudo por sua intimidade construída junto ao comércio. A “Cidade do trabalho” viveu sempre à frente do seu tempo, fitando o futuro, avançando e moldando suas facetas aos desafios que estariam por vir. Foi assim que a cidade foi constantemente se modificando e não seria diferente em sua arquitetura urbana. As mudanças em suas edificações e até no traçado das ruas, principalmente na área central, é visível e é assim que a cidade parece não conviver bem com suas historicidades, pois o novo, o moderno é sempre almejado em detrimento ao antigo (passado). Caminhando pelas ruas da cidade encontramos sim traços do passado, mas até o exercício de pensar sua evolução não é uma tarefa fácil.
Até o início do século XX, Campina Grande já tinha passado por mudanças atendendo ao sempre crescente comércio, mas foi na gestão do Prefeito Vergniaud Borborema Wanderley que a cidade passou por uma profunda reforma urbana em seu traçado central, ruas foram alargadas e alinhadas, outras foram criadas e decretaram o fim de imensos quarteirões. Ruas, becos, casas e uma igreja (a do Rosário) deixaram de existir e uma nova arquitetura foi inscrita em seus prédios, o Art Déco, movimento eclético que estava em moda nas décadas de 1920 e 30 e que veio a demonstrar o apogeu econômico dos senhores do algodão, trazendo à cidade normas urbanistas estéticas e de cunho higiênico/sanitário.
Embora seja despercebido para muitos, o conjunto arquitetônico localizado nas principais ruas do Centro de Campina possui grande valor histórico. O conjunto Art Déco é composto por uma série de prédios privados e públicos, nos quais se destacam o prédio Anézio Leão (que já foi Câmara Municipal e hoje é Biblioteca Municipal e sede do IHCG), o prédio da Secretaria de Finanças e Administração da PMCG, as ruas Cardoso Vieira, Venâncio Neiva, Maciel Pinheiro, dentre outras possuindo um caráter homogêneo e com características próprias, caracterizando o que a arquiteta Lia Mônica Rossi denominou de Art Déco Sertanejo.
O conjunto arquitetônico Art Déco de Campina passou várias décadas praticamente intacto, mas a partir de 1990, veio a sofrer uma série de mutilações em seu conjunto central e em prédios existentes na periferia, como o que abrigou o antigo Matadouro público, em Bodocongó. A demolição, substituição de fachada e descaracterização publicitária (ocasionada pelos verdadeiros outdoors existentes que encobrem quase que totalmente as fachadas) são as principais ações nocivas a este patrimônio.
Para preservar esse acervo histórico, em 1999, a Prefeitura implantou o Programa Campina Déco. O objetivo era requalificar uma área urbana central que engloba cerca de 150 construções. Alguns prédios foram pintados, o cabeamento energético em parte foi retirado de postes e embutido nas calçadas. Mas o projeto não teve continuidade e as mudanças arquitetônicas continuam a ocorrer no Centro. Boa parte desses prédios estão inclusos na área do Centro Histórico delimitado pelo IPHAEP e neste perímetro, nenhum prédio pode ser descaracterizado. Porém, não é isso que se verifica e as mutilações continuam sem nenhuma punição aos transgressores.
O Art Déco em Campina Grande possui uma singularidade por ser um conjunto verdadeiramente homogêneo e relativamente grande. É um atrativo turístico que nunca foi explorado pela cidade. Assim como conjuntos arquitetônicos são visitados no Recife antigo, em Salvador, em São Luiz, em Ouro Preto ou em Olinda, o conjunto em Art Déco de Campina merece um destaque e deveria ser utilizado como um bem turístico, contribuindo com a cultura e economia local.
Este estilo arquitetônico está espalhado por todo o país, principalmente nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Goiás, como o relógio da Central do Brasil, Cristo Redentor, Elevador Lacerda e a antiga Estação Ferroviária de Goiânia. No entanto, em termos de conjunto, Campina Grande possui um grande destaque, ao lado dos conjuntos centrais em Goiânia-GO e Campinas-SP.
A preservação desse tesouro histórico passa por uma fiscalização mais eficaz e acima de tudo punição mais rígida para os que ainda insistem em profanar a história de Campina Grande registrada nos seus prédios e casarões. Um amplo trabalho de educação patrimonial também se faz necessário para que, assim, possamos enxergar o presente sem olvidar o que já se passou, numa convivência que deixaremos como legado para futuras gerações.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 17 de julho de 2021.
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