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TURISMO & HISTÓRIA

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  • Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Candeeiro


Candeeiro - Flávio Tavares

HOJE ME FALTOU LUZ. Me refiro a “luz” como diz os antigos se referindo a energia. O “bico-de-luz” sempre foi o símbolo da chegada de energia elétrica nas cidades em tempos pretéritos ou mesmo nos sítios. De instalação modesta até o interruptor era um fio dependurado logo abaixo com um acionador. Não me refiro a luz, iluminação ou inspiração para alguma atividade, a luz é aquela mesma, a energia vinda de Paulo Afonso.


Bem que a fornecedora poderia avisar que a tarde toda nossa região ia ficar sem esse elemento que hoje dependemos profundamente; do deleite aos equipamentos hospitalares, de utensílios domésticos às pesquisas em universidades. Mas era para ter avisado! Me programaria de outra maneira.


Queria cuidar de minhas plantas, meu Cariri particular, mas não por obrigação e sim em um momento de inspiração. Também li, mas não o texto para um projeto que foi interrompido ao meio e tenho prazo a cumprir, apesar de que o momento me trouxe um regalo, não sei o porquê, mas vi um livro atravessado em minha biblioteca – que já se escondia lentamente dos raios de sol – abri a janela em seu limite para tentar fazer entrar mais uma nesga desse sol tímido que hoje brincou de esconde-esconde o dia todo. Isso me fez recordar o ato de secar roupa, dias como esse são de estresse para quem se empenha nesse mister. Põe na parte coberta, põe no sol e por incontáveis vezes se “gasta canela” quando o sol vem com suas garatujas. Mas que livro foi esse? Deitado estava, escavei a memória quase fotográfica (vejam só que pretensão minha!) para lembrar que livro era aquele. Fora do lugar certamente estava e me deparo com o cronista João do Rio. Ah. Fui ao meu jardim e em um banquinho de praça iniciei a leitura. Com seu lirismo inicia um dos capítulos com a frase: “Eu amo a rua”. Naquele momento fui transmudado, a mente montou em um cavalo alado e pude passear pelo mundo do flanar, da observação arguta das coisas e do perambular pelas ruas como adoro fazer.



Não consegui desapegar de João por um bom tempo, até que um vento gélido, típico de nossos invernos, me despertou e a alma retornou ao corpo depois de uma agradável viagem, já estava perto de escurecer. Mas era para ter avisado fornecedora de energia, como você faz isso? Vou à minha varanda e sinto o cheiro do mundo. Alguns postes ao longe tem suas luzes despertadas; o que aquele povo do outro lado da cidade tem que não temos oh dona fornecedora. Me debruço no encosto. A esse tempo, algumas donas de casa povoavam as calçadas e eu cá com meus botões, se tivesse “luz”, estavam dentro de casa. Garotos soltavam pipas, agraciados pelo vento mais forte. Cada repuxo que davam, o barulho das fitas plásticas na rabiola era entoado como cânticos. Percebo que pipas tinham se enganchado em fios de energia e não mais tiveram a graça de voar, mas será que foi por uma pipa que resultou a interrupção de energia? Quem sabe? Mas era pra ter avisado.


Fazia tempo que eu via a rua povoada. Crianças e adultos conversavam, riam. Uma das casas da vizinhança tem parte de sua entrada escondida por uma rainha do prado, com suas flores tingidas de lilás, vejo ali ao lado um ponto de luz em meio a escuridão, era um candeeiro. Fazia muito tempo que não apreciava aquela lamparina com um bailar de chamas e fumaça característico. Aquela imagem me transportou para um passado distante, não só as oportunidades em que brinquei, jantei ou conversei à luz de candeeiro no sítio como também a lembrança de minha infância, quando faltava energia e Seu Paulo Roberto (meu Pai) acendia um lampião e começava a contar insondáveis histórias. A noite ficava mais íntima, mais gostosa, a cena do candeeiro me marcou. Quis fazer um retrato, mas a bateria do celular já tinha ido para as cucuias há muito tempo.


A noite chega, a luz também e com ela um turbilhão de compromissos, vamos a eles. Início a escrita desse texto, vou ali por um café. Abro um navegador de internet e vejo o link para o feicebuque que tenho desprezado nos últimos tempos. Resolvo entrar, vejo algumas fotos, sorrisos e sou tomado por uma bela imagem, uma pintura do artista Flávio Tavares de um candeeiro aceso no encosto de uma janela, que coincidência. Cheiro de terra molhada, começa uma chuvinha; com ela, vou lembrar do candeeiro na rua e na tela e deixar o sono embalar, só podia ser Flávio Tavares.


Mas era pra ter avisado fornecedora de energia! Como você fez isso conosco? Pois nos faça um favor, vez por outra opere isso mesmo sem avisar para percebermos o que nos cerca nos trazendo tão boas lembranças e proporcionando felicidade no saudosismo. Contanto que não venha arrebentando tudo e queime nossos eletrônicos viu! Risos.


Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!

Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 22 de julho de 2023.

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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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