CHEGO AO BAR DE ANACLETO e quem vem ao meu encontro, sem a necessidade de qualquer coisa, a não ser a vontade de falar? Ivonaldo Alves Farias, mas por esse nome, ninguém o conhece no centro de Campina Grande. Seu apelido é combinado à sua profissão: ‘Naldinho empalhador’. Ele exerce esse mister de empalhar cadeiras e móveis há quase quarenta anos na calçada, n’uma sombra ofertada pelo pé de manga da lateral da casa inesquecível Marques de Almeida, de frente a sua fábrica edificada na década de 1920. Irreverente, de um bom humor incrível me diz: “Tá pintado ali no muro Naldinho, mas meu nome é Nádim (risos), Nadim!”. Abro minha agenda para anotar essa frase engraçada, é quando ele me olha e diz: “Thomas, pode anotar tudo aí, vou dizer como cheguei aqui”.
Nascido no brejo parahybano, em Matinhas-PB, no dia 18 de maio de 1966. Chegou à Campina no início da década de 1980 e pôs um bar no bairro das Malvinas nos fins de semana, “com seresta e tudo”. Durante a semana, tratou de fazer algo para aumentar a renda, até que encontra essa esquina da Getúlio Vargas com a Cel. José André e na sombra, na calçada de seu Fernando Marques de Almeida, já havia um pequeno comércio, uma banquinha de venda de frutas pertencente a uma senhora conhecida como Dona Maria do Papelão. Ela já tinha comprado de um tal “Seu bastião”, isso em fins da quadra cronológica dos anos 1970. Adquirindo a banca, passou a vender frutas, contando com os préstimos do Edmundo Marceneiro que guardava a banca e as frutas que sobravam, apoio muito necessário a quem trabalha na rua, ele é muito agradecido por isso. Foi quando uma pessoa chegou com uma cadeira de entrançado de palha quebrada, ele disse que ajeitava e ganhou uns trocados. Animou-se com aquilo e, em uma certa oportunidade, chegaram três peças de cadeiras para fazer. Todas de alguém da Federação das Indústrias da PB (Fiep). Ele fez e mandou para o cliente: “se não gostar, não precisa pagar”. Nisso já havia fechado o bar por “não ter dado muito certo”.
Dias depois, chegou um jipão com 250 peças de cadeiras para ele fazer. No momento em que me diz isso, se emociona. A voz trava, a boca não responde e o olhar esbanja lágrimas. Sentimento aflorado porque a encomenda foi feita por alguém da Fiep, justamente pelo trabalho bem feito naquelas três peças e o desprendimento do pagar só se prestar. Daquelas peças, três meses foram necessários para o serviço e as frutas foram deixadas de lado. Nascia, assim, o Naldinho empalhador de cadeiras com toda sua desenvoltura e, a partir daquele momento, passou a se dedicar ao serviço integralmente que hoje é o seu ganho de vida. Lembra ele que no “começo da história”, contou com a amizade de um grande marceneiro, Seu Cavalcante, que o ensinou a passar verniz, torneou algumas peças de clientes e sempre esteve ali para ajudar, chamava-o de Alagos Nova. Cavalcante foi um carpinteiro de primeira linha, teve onze filhos e orientou todos eles na trincha, formão e no trato com a madeira. Hoje, Pedrinho Marceneiro além de ocupar o seu espaço, no beco do cacete, tem as artes que “puxou” do pai.
Diz ‘Nadim’, como adora ser chamado, que hoje sua vida é maravilhosa, “vive no céu”. Tem filho que já trabalha com ele, uma das netas já sabe entrançar palha e que, na família, todo mundo está encaminhado de alguma maneira, não precisando trabalhar para ninguém. A residência de famílias mais abastadas, os condomínios fechados nos arredores da cidade, sempre o chamam para os serviços em vime de cadeiras, assentos, encostos, cadeiras de balanço, etc. Compra muita palha indiana em Recife e em São Paulo e, apesar de ter espaços alugados, os tratam como meros depósitos, porque o seu palco é a rua, ali é o seu escritório, é ali que gosta de empalhar, vender cadeiras ao mesmo tempo que conversa com velhos amigos e trabalhadores daqueles arredores testemunhando a história do centro da cidade com seus próprios olhos e sentimentos.
Casado com Ana Cláudia Augusto de Farias, “a dona dos troços!”, um casal de filhos (Rafael e Ana Iris) e duas netas (Ana Clara e Ana Sofia), Nadim é de uma simplicidade que comove e emociona. Seu sítio, em Alagoa Nova (também no Brejo), é seu paraíso.
A “cidade do trabalho” é feita por seus incansáveis trabalhadores, muitas vezes invizibilizados. Aqui fica registrado a história deste batalhador que, com suas calejadas mãos, tece com palha a história de Campina.
Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!
Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 25 de março de 2023.
Olá Prof. Thomas!
Cada crônicas sua, me prende muito a atenção; sei que vem coisas boas regadas de nostalgia de nossa cidade.
Obrigado pela informação sobre o nosso" Nadin", pois sempre que eu passar ali pela Getúlio Vargas, contornando o Ferro de engomar, terei um pensamento a anexar ao antigo empalhador, e sua história de sucesso.