Encontrando o Pe. Leonardi
- Thomas Bruno Oliveira
- 31 de mar.
- 3 min de leitura

E A BANDA TOCAVA A MÚSICA de Tim Maia: “Por que, é primavera... te amo” e em um gesto tímido e simples, ele levemente se balança. Lentamente dá um passo para o lado, depois para o outro, ao mesmo tempo em que une os dedos polegar e médio das duas mãos como se os estalasse dançando o passinho dos tempos de iê-iê-iê. Olhava para os lados e ao mesmo tempo mirava algo distante. Eram momentos finais de um coquetel que coroou a noite de abertura do I Congresso Internacional de Paleontologia da Paraíba realizado em Sousa, alto sertão, no último fim de semana. Encostado em um balcão, repousava do cansaço de um dia inteiro. Naquele momento eu olho para o salão e vejo essa cena que entendi como sensível e também sublime e não só pelo protagonista ser o Padre Giuseppe Leonardi, mas pelo encriptado significado que esse momento teve.
Leonardi é um paleontólogo e professor italiano que na década de 1970 veio ao Brasil como um missionário e lecionou geologia no Paraná, quando teve acesso ao livro ‘Serras e Montanhas do Nordeste’ (de 1924) do engenheiro do Inst. Federal de Obras Contra das Secas (hoje Dnocs) Luciano Jacques de Moraes que em suas andanças pela Parahyba em reconhecimento ao patrimônio geológico, encontrou duas pegadas de dinossauros na região do sítio Ilha em que hoje está o Vale dos Dinossauros. Através da informação, Leonardi veio em seu fusca dirigindo por cinco dias até chegar a Sousa e iniciar a prospecção de pegadas, de maneira que já em dezembro de 1975 iniciou a escavação da trilha principal que vemos hoje no Vale, isso sem olvidar as importantes contribuições de pessoas como Luiz Carlos Gomes e Robson Marques encontrando novos registros e preservando-os, criando inclusive a Ong Movissauros.

Daí veio uma série de viagens, verdadeiras expedições que originaram a publicação de vários artigos e livros tornando as pegadas de Sousa e região conhecidas internacionalmente, sendo o maior conjunto de pegadas do período Cretáceo no continente, como afirmou um de seus discípulos acadêmicos (Prof. da UFRJ Ismar Carvalho) e que culminou com a organização – 50 anos após o início das pesquisas – do I Congresso Internacional de Paleontologia tendo Sousa como destaque. Foram 38 viagens ao longo do tempo. Em todas elas, a cada chegada, Giuseppe procurava Luiz Carlos e também o Robson Marques para saber as novidades, o que estes verdadeiros guardiões encontraram no intervalo das visitas. Assim, paulatinamente, os rastros pré-históricos que temos hoje foram sendo descortinados, estudados e debatidos.
Sem conhecer pessoalmente o padre pesquisador, estando em Sousa, ouvia sempre as histórias que Luiz e Robson contavam de como o estudioso italiano era destemido e o quanto se encantou com a cidade e seus arredores, região semiárida repleta de beleza, sempre na companhia do chapéu de couro, abrindo a mata com facão e a peixeira na cintura, ferramenta para todas as horas. De fusca ou de cavalo ia em busca dos rastros. Uma frase costumava dizer: “Onde o dinossauro põe o pé, meu cavalo põe a mão”. Esse foi o lema que o acompanhou.

E finalmente tive a oportunidade de conhecê-lo. No centro de Sousa, ele estava na companhia dos amigos Luiz Carlos e João Rosa e prontamente me atendeu com um largo sorriso no rosto. Não conversamos muito, mas foi o suficiente para sentir em seu respirar toda a experiência de seus 86 anos vividos e da intensidade de uma vida dedicada a pesquisa. Não fossem os cabelos grisalhos, diria ser bem mais jovem tamanha a autêntica vivacidade e logo o vejo combinar com Luiz a ida ao encontro de algumas pegadas que não conhecia com a mesma dinâmica e força de outrora, impulso de um estudioso cuja idade jamais romperá sua jovialidade, apesar de saber o quanto acaba sendo cada vez mais difícil vir ao Brasil.

O passo tímido acompanhando a música não teve a irreverência da guitarra do iê-iê-iê e sim a leveza do voo do condor na satisfação de fazer uma retrospectiva de uma trajetória de muito trabalho e resultado. O que refletia naquele momento, só ele sabe. Uma despedida? Prof. Giuseppe, você é exatamente o que Luiz e Robson me contavam. O admiro ainda mais e rogo a Deus a possibilidade de comemorarmos seu centenário em meio as pegadas. Quem sabe?
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 29 de março de 2025.
Imagens do evento veja no canal do YouTube da Secties-PB: https://www.youtube.com/@Cienciaetecnologiagovpb
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