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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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  • Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Festa de padroeira

Atualizado: 8 de out. de 2020

Muito ansioso pela festa da noite, Getúlio aguarda ansiosamente a hora de ir se arrumar. Enquanto isso, vai na casa de seu primo Zeca lá na Praça Epitácio Pessoa, para combinar os detalhes da noite. Zeca acabara de fazer vinte anos e conhece muito da vida, até para o estrangeiro já foi. Com quatro anos a menos, Getúlio se espelha, além de ansiar as experiências adultas do parente que, uma semana antes, lhe prometeu uma surpresa. Talvez esse o motivo de tanta ansiedade.


Campina Grande em fins da década de 1930 - Acervo José Edmilson Rodrigues

O ano era 1938, os Pavilhões dispostos no largo da Matriz estavam muito bem organizados, elegantemente enfeitados. Na verdade, difícil dizer qual estava mais belo. O relógio na torre da igreja mal completava as sete da noite e já surgiam alguns choferes trazendo gente muito elegante, uns “pousavam” ao lado do Pavilhão ‘Pedro I’, outros do lado do ‘Deus e Caridade’. Ambos feitos com muito capricho, bem cobertos, cuidadosamente forrado com tábuas e cercado de gradis sobriamente enfeitados. A semelhança também dispunha em quem os frequentava, gente da elite econômica da promissora cidade, clientela seleta que curtiria a festa da padroeira comendo, bebendo, ouvindo as bandas e se exibindo. Algumas famílias que moravam na vizinhança, vestidas à caráter, também chegavam ao pavilhão predileto, não antes de passear observando os carrosséis, bazares e barracas que enfeitavam a iluminada rua, desde os pavilhões até a esquina com a rua Maciel Pinheiro.


Praça Epitácio Pessoa e o Pavilhão Epitácio - Retalhos Históricos de CG

Como era de costume, o caminhar dessas famílias abastadas se dava pelo lado oposto de onde se avistavam os populares. Estes, não ousavam chegar perto dos pomposos pavilhões, numa nítida e brutal segregação social. No entanto, reinavam nos arrabaldes da festa “oficial”. Os becos próximos, ruas periféricas e no que se convencionou com o singelo nome de ‘Lagoa de Roça’ era um território diferente, marginal. Ali se via uma festa menos pomposa, mas não menos animada. Uma série de barracas de madeira cobertas com palha se alinhavam onde eram servidas comidas e bebidas e frequentadas genuinamente por populares, gente de menor poder econômico que flertava vez por outra o som oriundo dos pavilhões, com as calorosas disputas das bandas, um nítido contraponto aos luxuosos pavilhões.


Já no Pavilhão ‘Deus e Caridade’, a sociabilidade da ostentação tomava conta, whisky e cerveja aos montes e muita comida. Getúlio de paletó cintado e sapato bico de anjo, Zeca mais despojado, ambos de chapéu. Observavam as moças, nada além de olhares. Getúlio se engraça com uma bela jovem, Zeca o alerta: ­– Nem pensar, ela é sobrinha do adversário político de seu pai, sem chance! Mas não se preocupe, logo que o pessoal começar a ir embora (principalmente sua mãe), vou levar você para conhecer a Lagoa de Roça, já falei com seu pai; vamos nos divertir muito!


Havia um certo cordão de isolamento pautado em um discurso moralista isolando a Lagoa de Roça da festa tradicional. Embora não houvesse grande distância, a simbologia impunha uma série de obstáculos. – Baixe seu chapéu até a altura dos olhos, não podem ver que você é muito novo, senão podem querer se aproveitar de você. Vou soltar um pouco a gravata. Disse Zeca. Em uma mistura de medo, receio e curiosidade, Getúlio seguiu o primo e entrou em um mundo novo; muitas pessoas cantavam, dançavam e causavam certo tumulto, n’um ir e vir de moças, rapazes, homens feitos e mulheres, muitas mulheres. Seus sorrisos refletiam a pouca luz das lamparinas e carbureto, aquele óleo a queimar misturava-se com o cheiro de comida que vinham da trempe. Aquele mundo, para ele, lembrava vagamente a feira, só que ali as motivações dos viventes eram outras... Havia uma certa liberalidade. Foi quando viu Zeca pegar no laço de um vestido de uma moça de costas e puxá-lo, ela vira e com um olhar atraente e desejoso o abraça e o beija longamente. De imediato Getúlio se escora numa barraca e cerra os lábios, como se ele mesmo estivesse beijando-a. – Você é o quê do barão? Perguntou uma mulher com jeito de mais vivida, mãos nos quartos, cabelos longos, ele estava parado defronte a sua barraca. – Sô, sou primo. – O mocinho não conhece nosso mundo? Meu nome é Zulmira. Veja, vire-se, aqui todo mundo se diverte; tá vendo aquelas lá na frente, juntas? São as meninas da manichula (Mandchúria), os homens que estavam com você no pavilhão as adoram. Lá é faz de conta, aqui é só festança. Olha só aqueles ali ao redor do batuque, não tem coisa mais gostosa (homens e mulheres mui animados dançavam coco de roda); as vezes vem uns grã-fino morto de bêbado querendo bagunçar, mas fora isso...


É quando Zeca toma a moça pelo braço e vai para trás de uma gameleira. Acanhado, Getúlio não sai dali. – Olha aí, toma um gole! Diz Zulmira. É para se animar, seu primo já volta. Ele tomou um gole, uma cachaça de cabeça quase indigerível. Não podia cuspir, ia fazer feio. Depois de uns três goles, estava ele arriscando passos no meio da roda de coco. Zeca volta e diz: – Zulmira, que danado tu desse a ele? – Nada meu filho, uns goles da de cabeça somente.


Quase quatro da manhã, já em seu quarto, ele sem conseguir dormir murmura: – Na próxima quem vai namorar sou eu!


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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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