
A PROPÓSITO DE UMA CRÔNICA que publiquei no início do mês de novembro de 2024 sobre a refundação do jornal 'A Gazeta do Sertão' na longínqua quadra cronológica de 1981, o consagrado jornalista parahybano Geovaldo Vieira de Carvalho me convidou para encontrá-lo. O motivo: “quero te passar um material”. Na verdade, morando na capital da Parahyba, Geovaldo costuma vir à Campina nas quartas-feiras e é frequentador assíduo do restaurante Manoel da Carne de Sol onde encontra alguns amigos há muitos anos. Numa Campina de outrora, lugares como o Chopp do Alemão, o Miúra (que hoje não mais existe) além do próprio Manoel da Carne de Sol foram conhecidos por abraçar esses encontros fraternos, a boemia saudosa de outros tempos.
Tive a oportunidade de conhecer esses tesouros históricos da urbe que se consolidaram como reduto de boêmios. Um detalhe une esses lugares simbolicamente e sempre me chamou a atenção, é que algumas de suas paredes são ornamentadas com fotografias, verdadeiros troféus demonstrando as presenças de autoridades, políticos (governadores e presidentes da República) e até artistas que passam em turnê pela cidade. Outro detalhe é a aconchegante decoração, um estilo clássico onde o madeiramento e as fundições escuras estão nos assentos, paredes e divisórias, proporcionando que muitas mesas se tornem aconchegantes câmaras em uma realidade sensível altamente intimista. A iluminação morna completa o cenário afeito às amenidades. Bom gosto não é mesmo? E nas primeiras horas daquela quarta-feira Geovaldo Carvalho me confirma: “Me encontre que vou lá pra Manoel às 19h!”. “Combinado!” respondi prontamente. Meu velho amigo José Edmilson Rodrigues foi quem nos apresentou e eu, como forma de celebração, o avisei que Geovaldo queria me encontrar: “Tenho uma reunião no fim da tarde, se der eu apareço”, me respondeu o poeta.
Fui trabalhar ansioso. Sempre considerei Geovaldo um grande jornalista. O pseudônimo Baby Vieira, seu tempo na capital federal, sua coluna diária e as inúmeras vezes em que foi disputado por jornais impressos; diretor d’A União, Diário da Borborema, Gazeta do Sertão e toda sua trajetória na imprensa, esses são só alguns detalhes de sua carreira que merece uma biografia de fôlego. Ele é um daqueles monstros sagrados que temos e devemos saber valorizar. Das coincidências da vida, através de um amigo em comum, conheci Giuseppe, seu filho, e vim descobrir o parentesco depois.

Voltando a história, na boquinha da noite tomei um taxi até Manoel da Carne de Sol. Entrei devagar observando os lustres, as fotografias antigas de Campina ao mesmo tempo que meu apetite é inundado pelo perfume da carne de sol assada, prato tradicional da casa que estava indo ser saboreado por um casal de clientes. Perguntei ao garçom qual é a mesa preferida do Geovaldo e me sentei na cadeira que ele mais gosta. Passados 10min ele chega. Eu me levanto e convido: “Esse é o seu lugar”. Ele sorriu respondendo: “senta nessa aqui, essa da cabeceira é do ‘dono’”. E logo eu descubro quem ele esperava, seu amigo Geraldo Melo. Ao sermos apresentados, com sua fala pausada e firme, Geraldo comentou a vontade que tinha há tempos em me conhecer e teceu uma série de elogios as minhas crônicas, que lê com bastante entusiasmo. Quem primeiro comentou que Geraldo gostaria de me conhecer foi Daniel Duarte. José Edmilson e Ronaldo do sebo também fizeram o mesmo comentário acompanhado de dois detalhes o primeiro que ele é um grande leitor e o segundo que é bastante criterioso a ponto de criticar livros e textos sem qualquer preocupação com o autor. A minha felicidade foi imensa! Momento em que Geovaldo desembrulha uma pasta lilás com o exemplar de 25 de maio de 1981 do Gazeta do Sertão (que escrevi dias atrás), uma edição fac-símile do primeiro número da Gazeta de 1888 e uma edição do tablóide ‘A tarde’ que circulou na cidade na década de 1960. Um baita presente. Geraldo e Edmilson (que chegou depois) apreciaram e elogiaram.
Numa noite agradável, conversamos sobre “Deus e o mundo”. Futebol, política, livros, leituras e uma afinidade todos nós temos, a admiração pelo cronista-mor Gonzaga Rodrigues. Após bebericar algumas cervejas, Geovaldo se despediu tomado por uma dor de cabeça e Edmilson foi descansar. Ficamos Geraldo e eu em um longo papo e me impressionou o seu nível de leitura. Bibliófilo que é, comentam que possui um imóvel tomado por livros. As portas se cerraram por volta da meia-noite nos convidando a partir. Quando a conversa é boa, não vemos o tempo passar. Fui agraciado duplamente: com um grande presente e com e o maior deles: dois bons amigos. Nos despedimos e combinamos de repetir a dose.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 23 de novembro de 2024.
Todos bons arquivos devem estar nas mãos de quem ama e dá valor.
Conversa boa, companhias agradáveis, lugar aconchegante: um direito cultural inalienável!