A graciosa Campina Grande, senhora do algodão, teve seu processo de expansão acentuado nas primeiras décadas do século XX. Sob o signo do comércio, recebeu inúmeros “leais forasteiros” que investiram na cidade acompanhando seu desenvolvimento. Na década de 1920, precisamente em 1925, passam a funcionar a Saboaria Pernambucana e a Fábrica de Tecidos, Fiação e Derivados de Algodão, obra dos visionários irmãos Marques de Almeida que, chegados à cidade anos antes, escolhem o terreno promissor para onde Campina estava se esticando. Ali existia um cemitério em inatividade e poucas casas de rancho. Era na verdade um sítio onde brotavam flores, por isso, sítio das Boninas. Por aqueles tempos nascia a Rua João Leite (hoje João Pessoa), Brandão Cavalcante (atual Getúlio Vargas), Rua João Félix Araújo (antiga rua do cemitério), tudo isso ao poente da Matriz.
A Fábrica Marques de Almeida foi a maior na década de 1920 e demandou não só incontáveis trabalhadores como os serviços necessários para atender esse operariado, surgia em 1932, pelas mãos de Zé Maneco, o Ferro d’Engomar; mercearia/bodega e bar que hoje mantém a tradição e é uma pérola histórica no centro de Campina. Na sua lateral, toda a extensão da Rua do Esfola Bode (hoje Cel. José André) era repleta de ônibus que viajara para todos os lugares e naqueles arredores surgiram bares, restaurantes, pequenas oficinas de tornearia e conserto de máquinas de escrever, pequenas vendas, todas elas atendendo a clientela, tudo sob o olhar de Dyonísio Marques de Almeida que do terraço de seu casarão (demolido recentemente na Av. Getúlio Vargas), regia o apito da fábrica e observava atentamente o movimento. O suntuoso prédio é bem assemelhado a arquitetura industrial inglesa de fins do século XIX, um estilo eclético com grandes janelões alinhados, esquadrias que pareciam ornatos e arcos embelezando o todo, um verdadeiro “bolo de noiva” incrustado a oeste do centro da cidade.
No largo entre a Fábrica de Tecidos e o prédio Eclético da Saboaria, ambos ainda de pé um defronte ao outro nas Boninas, foram construídas residências e surgindo novas ruas ligando as recém batizadas Getúlio Vargas e João Pessoa no calor dos acontecimentos de 1930; surgem becos, como o “do cacete” (Rua Augusto Severo), o café Brasil que vira a Cantina do Manoel, bem descrito pelo amigo escritor José Edmilson. Lembremos que o já desativado Cemitério Velho, cacheado de boninas por todos os lados, era disposto na lateral da Saboaria (até meados década de 1930, quando é demolido e vira galpões) e aquelas cercanias se tornaram a principal zona boêmia de Campina Grande, atraindo luxuosos e ricos cabarés que apresentavam cassinos e shows de grandes artistas nacionais trazidos pelo trem de ferro. Unidade Moreninha, Rosa Vermelha, Pensão Pompéia, Zé Garçom e outros detinham as mulheres mais belas de toda a região, as melhores companhias que os senhores da elite poderiam ter para noites de jogos, prazer e luxúria. Nos becos que se seguiam, até a antiga Rua do Poente (hoje Índios Cariris), tínhamos as casas de “recursos” que não se assemelhavam ao glamour e requinte dos cabarés, porém, não menos animados pelo operariado e trabalhadores da cidade.
Para se ter uma ideia das minúcias de época, recorro ao cronista Chico Maria que na ânsia de conhecer o afamado ‘Toin Cabral’ nos conta: “Salão cheio. Luz morna. Mozart, ao piano, dirigia uma pequena orquestra [...] que passa a tocar o tango “Mano a Mano”. Tejo, puxando a gola do meu linho Taylor S/120, avisa: “pronto Chico, Toin Cabral é aquele baixote que se vai aproximando daquela mulher de vestido preto”. “Toin” fazia uma reverência elegante, tirando uma loura para dançar. O Boêmio logo despertou minha curiosidade. Vestia uma gandola branca, calça de tropical azul e exibia vistosa gravata de laço. Passei a observar, com atenção. Ele dançava o tango e os seus sapatos DNB mal tocavam o assoalho, parecia flutuar. Ao passar perto de mim, notei que cantava ao ouvido da exuberante loura num “casteliano” [...] Sacudia a dama para cima e a amparava nos joelhos, numa exibição que levou os outros pares a desistirem da dança. Ninguém queria perder aquela cena”. E o que dizer dos 44 degraus que separavam a rua Bartolomeu de Gusmão e o grande salão da luxúria do cabaré de Zé Garçom em um imponente prédio em Art Déco na extensão das Boninas?
Em 2014, o secretário de cultura da época Lula Cabral criou o projeto ‘Campina de outrora’, movimentando a vida noturna do Largo das Boninas com shows, espetáculos valorizando esse patrimônio histórico. Lembro de ver um amigo enxugar lágrimas ao ver uma encenação de “O ébrio” pela artista Arly Arnaud, foi uma bela visão patrimonial no ano do sesquicentenário.
O Largo das Boninas é secular e hoje, despoetizado de seus antigos encantos, implora por uma revitalização. Em memória, história e tradição, está para Campina como o Pelourinho está para Salvador, o Marco-Zero para Recife ou o Largo da Lapa está para a cidade maravilhosa. Quem sabe ainda não veja o Largo das Boninas, dos amores, ser a referência do patrimônio histórico e sentimental da Rainha da Borborema...
* No retrato, vê-se também a Avenida Getúlio Vargas, observando-se também parte do interior do Colégio das Damas e o tradicional Bar Ferro de Engomar, entre a Rua Rui Barbosa e a Coronel José André, antiga Rua do Esfola Bode.
......... que tinha como diretor executivo o sr. Fernando Marques de Almeida com o qual mantive uma boa amizade. Lembro-me da Transportes Zemaneco gerenciada pelo Degmar Fernandes da Costa meu grande amigo e colega radioamador. Lembro-me inclusive do Ferro de Engomar, da Oficina Dinâmica, do Salão Lira, etc. etc. Tudo na área das Boninas.
Edmilson Rodrigues do Ó
Meu DEUS, essa matéria me arrancou lágrimas; em 1953 quando ainda garoto trabalhei no Bar Brasil pertencente aos irmãos Manoel e Aluísio Felizardo. Entre 1957 e 1963 trabalhei na concescionária da Mercedes-Benz então localizada na Rua Félix Araújo. Fui contemporâneo da grande indústria de tecelagem de algodão Indústrias Marques de Almeida