Ela tinha que ver o mar
- Thomas Bruno Oliveira
- 8 de mar.
- 4 min de leitura

ELA DESCEU DE SEU PEQUENO apartamento no Rio de Janeiro, em um prédio por trás do Copacabana Palace, exatamente na esquina da Av. Nossa Senhora de Copacabana com a Av. República do Peru onde vive uma vida mansa com seu esposo. Desde a pandemia do Corona vírus que ela não costuma sair direito. Antigamente, todo dia ia caminhar no calçadão, sentir o cheiro de ar puro, olhar para a imensidão do mar. Tomava uma água de coco e voltava para casa. Lá ela saudava o porteiro, subia para seu apartamento e ia direto para a cozinha, isso tudo antes das seis da manhã. O perfume do café despertava seu esposo que vinha se espreguiçando para a cozinha com o rosto inchado de dormir, mas abrindo aquele sorrisão.
– Bom dia meu amor, que cheiro bom de café...
Era o que ele sempre dizia em todas as manhãs e ela respondia com um sorriso carinhoso, fazia uma omelete para ele e assava dois pãezinhos franceses que ela, que tanto adorava, as vezes comia com geleia, as vezes com requeijão. Da mesinha da cozinha dava para ver o mar entre dois prédios altos, eles amavam aquele cotidiano, até se emocionavam muitas vezes com a vidinha que Deus dava a eles. Aos domingos, por muitas vezes, iam ver o mar, mas, apesar da proximidade, tinha dias que ele não conseguia caminhar uma quadra, então ficavam no térreo, na área de lazer, vendo a molecada brincar nos balanços, quadra e nos bancos de areia, isso até a boquinha da noite ou até dar uma vontade de se servir no banheiro, isso se o sanitário coletivo do prédio no térreo estiver ocupado.
Certa vez, ela estava desejosa de ver o mar, em um ocaso de domingo. Ele, mais vivido cerca de dez anos, não gozava daquele ímpeto, mas recomendou que ela fosse se estava desejosa. A última vez em que ela se aventurou foi antes da pandemia, precisamente em fins de 2018 quando ocorreu a queima de fogos, ela voltou correndo assustada com a multidão e não passou vinte minutos. Já agora, sentiu a segurança de que poderia, mesmo depois de seis anos. Ela se arrumou, conferiu o dinheiro na bolsa para beber sua água de coco e seu celular para ver as mensagens, falar com as amigas e com uma filha que há anos mora em Bruxelas. Desce com a alegria de sempre, no ocaso, e estranha o intenso movimento; ela não achava que veria tudo aquilo.
Ela chegou, viu o mar, suspirou lentamente. Fitou o horizonte alaranjado; o sol acabara de se por. Sentada ao lado de uma mesinha em um quiosque, pega um guardanapo, rabisca alguma coisa e guarda no bolso da bermuda. Pouco tempo depois, satisfeita com seu desejo realizado, retornou caminhando.

Quando aquela senhora ia atravessando a rua, ela foi surpreendida pelo movimento dos carros, ainda bem que nesse fim de tarde tem um monte de frashlet, de faróis acesos, demostrando onde os veículos estão e facilita ver os carros que passam ligeiros...
– Moço, me ajude a atravessar a avenida.
– Sim senhora.
Só que ele não teve noção do quanto ela podia correr, a levou rápido e, no meio da avenida, ela acabou caindo. Ele tentou ajudar, mas ela não conseguiu levantar, magoou o joelho e ele, fazendo pouco caso, a deixou na pista. Ninguém a socorreu. Veio um caminhão com todas aquelas luzes e a atropelou. Quando ele parou, a vida já não estava mais lá. Passou um rapaz na moto e tentou puxar sua bolsa. Sem conseguir, foi embora. Uns pivetes vieram e levaram o seu celular, a carteira e também a parte de sua aposentadoria que tinha recebido no dia anterior (e estava em outro bolso); o que gastara houvera sido para tomar um cafezinho na esquina que alguns senhores tinham como habitué. Estava gostoso... Veio com um copinho de água com gás e um delicioso bolinho de goma; não sabia que seria o último que comeria.
Chegou o serviço do Samu, chamado por uma pessoa de bom coração, mas nem eles conseguiram salvá-la. Oitenta e nove anos não são brincadeira; bem que o porteiro do prédio a alertou que o movimento estava muito grande, que ela não deveria “dar mole”, mas deu. E agora?
E de maneira transcendental ela diz: “Eu estou me olhando na pista, sendo recolhida pelo serviço do instituto médico legal, nem meu companheiro, nem meus filhos que moram do outro lado da cidade e uma em Bruxelas tem noção do que está ocorrendo. Ah, e meu esposo Armando? Ele precisa jantar, quem vai fazer sua papinha de aveia meu Deus? Ele deve estar me esperando...”.
Após o ocorrido, o filho encontra em seu bolso um guardanapo com o seguinte rabisco: “Eu precisava ver o mar, nem que fosse a última coisa de minha vida...”
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 11 de janeiro de 2025.
Estória triste, mas rica em detalhes!