MARCAS INDELÉVEIS FORAM forjando minha trajetória, uma imensa e inesgotável caminhada por esse mundão de meu Deus que continuará enquanto eu tiver pés e coragem. As paisagens cinzelam meu olhar, fixando em minha mente e coração um território que para mim sempre será encantado, erigindo um corpus imaginário que poderá ser sempre revisitado. Não consigo olvidar o dia em que desci a Serra de Santa Luzia, um caminho de oito quilômetros na BR 230 serpenteando em descida as escarpas ocidentais do Planalto da Borborema, fabricada pelos engenheiros do Departamento de Estradas e Rodagens da Parahyba. Fabricada sim porque a descida natural do planalto para o ocidente, é o vale da Farinha que, inclusive, é o caminho tomado inteligentemente pela linha férrea que saiu de Campina nos anos 1950 procurando a cidade de Patos e os sertões. Há duas versões para isso, uma foi por questão política e a outra por economia, por precisar de construir menos pontes, o fardo mais oneroso das estradas.
O tom branco/amarelado dos paredões rochosos só eram rompidos pelas touceiras de macambiras que, com sua forma estrelada, pareciam os fogos que ganham os céus nas noites de São João. Naquele vai e vem da estrada tortuosa, podemos observar o leito de rios secos lá embaixo, areia branca e fina que brilha com a luz do sol. É quando chegamos ao fim do desfiladeiro e nos deparamos com o pediplano sertanejo, uma planície vasta, longa com seus inselbergs, os morros testemunhos de que tudo aquilo teve uma só altura e se desfez nos últimos milênios. Com a erosão, o chão é feito também de pequenas pedrinhas. Picos, serrotes e lá no fundo ao sul, as bordas do Planalto, a majestosa cordilheira do Teixeira onde se assenta o cume, o Pico do Jabre, ponto mais alto do estado com seus 1.197 metros. Respirando o chão dessa extensa planície e seguindo a estrada, logo chegamos à bela cidade de Santa Luzia. Seus açudes, as altas torres da matriz, são marcos na paisagem, mas não se comparam com que está à frente. De toda cidade se avista um monte pontudo, um destaque enigmático naquela região, semelhante a um animal, uma esfinge, uma espécie de guardião daquelas terras.
De olhos vidrados, admirei e reverenciei aquele monte sagrado. Da varanda do Hotel Santa Luzia via o açude e também aquela suntuosa formação, é quando descubro com moradores que seu nome é Yayu e de tão emblemático, nomeia também o clube social da cidade. Mas o porquê daquele nome, o que ele tem de tão importante? Alguns caminhoneiros que pousam nos restaurantes às margens da estrada, nada sabiam. Outros falavam de uma índia nos aceiros próximos a rodovia e de uma energia que emanava na estrada quando se passava ao seu lado.
Para alguns moradores da cidade, o Pico do Yayu tem uma história muito antiga de uma índia que, ao ser perseguida por antigos vaqueiros, correu apontando para o pico repetindo a palavra: “Yayu” e se encantou. É também comum se ouvir que a indígena foi capturada e antes de ser morta apontou para o pico, gritando Yayu. Há até uma versão de que ela estava em uma gruta, a da guaxita, e Teodósio de Oliveira Ledo, conhecido sertanista, a capturou no séc. XVII e ouviu dela essa palavra. Na verdade, essa é uma testemunha de um processo não pacífico de dominação, o que ocorreu com a colonização de nossas terras onde curraleiros empurraram o gado nos sertões, disputando as terras com os indígenas, os verdadeiros donos que habitavam há milênios.
Entre Santa Luzia e São Mamede, há quem enxergue sempre aos fins de tarde, um vulto de uma mulher de longos cabelos pretos a correr. Interessante que na região quilombola do Talhado, naqueles grotões de serra, questionei dois velhos e eles fizeram questão de não me responder nada, como que aquele assunto fosse incógnito. Ganhei, assim, o silêncio. Foi interessante que em pesquisas arqueológicas em 2007, entre Santa Luzia e Várzea, encontrei um jovenzinho de doze anos com quem conversei bastante, ele estava cortando capim para a criação, seu nome é Naldo. Vivia com o agricultor Josenilson dos Santos e deixou a família na cidade por achar muito ruim viver na zona urbana, preferia não estudar e lidar com o trabalho no campo, como ele dizia, “no mato”. Ele me acompanhou até umas inscrições rupestres e vi que em um determinado momento ele tirando o chapéu, pareceu uma reverência. O questionei e ele disse Yayu, apontando para aquele gigante de pedra. Mas o que foi Naldo? “Se a gente tiver ajuntando a criação e disser algum nome feio ou pensar em algo mal, olhando pro pico do Yayu, não dá certo. A gente perde toda vez”.
No Pico do Yayu temos mais uma lenda de encantamento e com todos os elementos defendidos pelo nosso folclorista maior Câmara Cascudo, “quando intervém o maravilhoso, sobrenatural, mágico”, perpetuando por gerações a história, a memória e as lendas locais.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 23 de abril de 2022.
Pico do Yayu, pico do Jabre, etc, estes patrimônios naturais de meu querido sertão paraibano só me faz lembrar de minhas viagens de férias nos anos 70 e 80, quando me dirigia para São Mamede e também para a Serra do Pedro em Patos, para passar uma temporada na casa de meu tio Nelson Almeida, e assim, desbravar os Grandes Sertões Veredas deste pequeno torrão que tanto amo.
Que saudades do tempo que não volta mais.