No último domingo (14 de julho) estive na Veneza Brasileira para uma missão singular, acompanhar meu pai, Paulo Roberto, em evento muito especial, o Encontro das Turmas Papa I, II e III da Escola de Aprendizes Marinheiros de Pernambuco, da qual ele fez parte.
Desde tenra idade, desde quando “me entendo de gente” (como dizemos no Mundo-Sertão), que ouço as histórias dos tempos em que Papai serviu à Marinha do Brasil. Época marcante (aproximadamente cinco anos) que deu régua e compasso aquele jovem de origem humilde que, arrimo de família, se esmerava em não deixar nada faltar para sua mãe e oito irmãos após, anos antes, ter perdido seu pai em um assalto dentro de casa na periferia do Recife. São histórias que hoje sei de cor, muitas delas usadas como ensinamento. Dos percalços vividos pelo jovem Paulo vieram exemplos e valores que constituíram nossa educação familiar.
Chovia desde a quinta-feira, esse inverno não tem sido fácil para os recifenses. Alagamentos sucessivos mexiam no âmago da vida urbana. Porém, o domingo não foi chuvoso, um sol tímido até apareceu, como que para aquecer os corações que iriam se encontrar na churrascaria Boi e Brasa na Imbiribeira. Esse bairro é histórico! Por ali os holandeses escaparam até o Monte Guararapes onde foram derrotados e, numa história mais recente, marinheiros envolvidos na Revolta da Armada (setembro de 1893), contrários aos dois primeiros governos republicanos, foram fuzilados.
Às onze horas chegamos. Descemos do veículo, fomos recebidos pelo gerente e nos identificamos. A área reservada era o último salão a leste, um pouquinho distante do salão principal. Cada passo era vencido e motivado pela ansiedade. Deu trabalho acompanhar meu velho, vi o desassossego dele. Enfim chegamos ao reservado, sorrisos largos nos receberam. Sgto Luna, o organizador do evento, veio de imediato saudar Papai, abraço forte, demorado, coração acelerado que parecia contar os 41 anos que os separaram e que as redes sociais fizeram a gentileza em reaproximar. Um a um e os cumprimentos eram os mais afáveis. Olhavam para mim: “rapaz, tu é a cópia dele...”; “olha, teu pai tinha um cabelo cacheado que vinha aqui (altura dos olhos)”; “Tu é Paulo Jr né, rapaz, teu pai é demais, que amigo!”. Pensei saber a importância do encontro, impressão dada pelo convívio com Papai, mas não tinha ideia de que a mais dilatada de minhas impressões era miúda demais diante do que vi. A sensação era de estar diante daqueles jovens de quatro décadas atrás. As brincadeiras, as histórias os levaram para uma espécie de transe coletivo pautado por uma harmonia que de tão genuína era emocionante. A robustez da juventude revivida ali em cabelos pintados pela tinta branca dos anos – como diria o poeta Dedé Monteiro – ou na ausência deles.
Eles iam formando pequenos grupos de discussão, que se espalhava pelo salão. Se misturavam, relembravam, gestos e acenos compuseram uma atmosfera encantada; bebida e comida, coadjuvantes, passaram incólumes. Ali, alguns aposentados pelo próprio engajamento na Marinha, outros que sequer embarcaram (ficaram só na EAMPE); uns que constituíram família no sul do país (e lá vivem), outros que retornaram para o nordeste (caso de Papai), histórias em comum. Um deles me revelou: “a primeira água gelada que minha mãe bebeu em casa foi por minha causa e pela Marinha, somos sete irmãos e vivíamos com dificuldade”. Relatos parecidos, vidas suburbanas semelhantes, amizades forjadas nas dificuldades da vida.
Foi uma das experiências mais belas que tive, os papéis ali pareciam se inverter. Tirei fotos, acompanhei diligente, testemunhei segredos, observei com cuidado a alegria daquele velho marujo que mantém a alma sempre jovem, como no tempo dos aprendizes.
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Belissimo momento. Mesmo não estando lá, me senti presente com seu escrito. Parabéns!