E vou passando pelo centro da cidade e chego a sua maior avenida, a Mal. Floriano Peixoto, vindo da Maciel Pinheiro contemplando o trecho côncavo que vai até a Praça da Bandeira. O centro de Campina tem de volta aquele ritmo frenético, muito diferente de meses atrás. Um movimento buscando a perda irreparável da pandemia. No comércio, a normalidade chegou primeiro do que em qualquer lugar, ainda mais esse daqui que é bem buliçoso, não é à toa que a pioneira Associação Comercial tem quase um século preocupando-se com as necessidades estruturais da cidade, desde o auge do algodão não é Dyonísio Marques de Almeida e João Rique Ferreira?
Após a conclusão de um compromisso, faço o que tenho feito nos últimos meses, fugir dos contatos e encontros com as pessoas, “tirar por dentro!”, ir embora. Na segurança do carro, vou devagar e vejo o movimento “normalizado” da Maciel Pinheiro e seu avultado comércio. Carros e motos disputando o leito das ruas com os transeuntes que atravessam em todos os sentidos. Na marquise do Palácio do Comércio, que abriga a Associação Comercial, muitos se escondem de um sol que já é escaldante perto das dez da manhã.
Contorno o edifício Anésio Leão (da Biblioteca Municipal e do Instituto Histórico) e observo que no pós feriado da Proclamação da República, a fila para o almoço ofertado pelo governo do estado a preço irrisório é pequena. Dias atrás, vi centenas de pessoas se imprensarem junto a parede da Recebedoria de Rendas e do Posto de Saúde Dr. Francisco Pinto de Oliveira, buscando uma nesga de sombra em uma fila que, de tão grande, ganhava a rua Venâncio Neiva. Dentre as inúmeras pessoas que para ali vão, muitas são idosas e ainda mais, chegam muito antes do almoço ser servido, para não ficar sem a sagrada refeição. Há quem chegue antes das nove, informação que devo ao meu amigo Pedrinho Cavalcante. Fico a pensar n’um povo em que toda uma manhã vale um almoço, que por sua vez custa R$ 1,00, a sobrevivência é realmente estar de barriga cheia.
É crise, uma carestia sem fim que é ainda mais latente na população mais pobre. Fiquei estarrecido vendo um retrato de pessoas disputando vorazmente um espaço na carroceria de um caminhão de lixo para catar as melhores sobras de um supermercado. Nas redes sociais vi o vídeo de um homem implorando em um largo no meio de prédios, gritando que estava com fome e precisava de comida para a família. Flagrei em um açougue aqui na cidade a oferta de um quilo imprestável de osso raspado e serrado por dois reais e outra leva de ossos um pouco melhores por três reais, não estou falando de pá, patinho (ainda com partes cobertas de carne) e fiquei estarrecido. Vi aqueles sacos nas mãos de um cidadão que disse: “vai dar uma sopa arretada!”. Fiquei a pensar na miséria que tem assolado a população, nos auxílios, na falta de benevolência do governo central e toda dificuldade que estamos passando. Se dará uma boa sopa, tudo bem! Por graça o Procon tem fiscalizado e proibido essa prática medonha.
Crianças tão miúdas equilibrando limões nos sinais de bairros como Centenário, Santa Rosa e Prata, sem conseguir fazer um movimento sequer, a que custo estão ali? Limpadores de vidro que se espalham pelos semáforos do centro da cidade, ávidos por aqueles preciosos trocados, muitas vezes não tem o polimento de melhor oferecer o serviço e são ríspidos à intolerância e ignorância de motoristas que fingem que eles não existem (lembro que a primeira vez que vi a cena foi no Recife da década de 1990). Algo muito diferente do que vemos em época de São João, quando artistas apresentam seus malabares, músicos tocam, época de muito burburinho em que a cidade está repleta de turistas e todo mundo ganha o seu. Quanto tempo faz que não atendo a campainha de casa e escuto a voz: “moço, me dê uma sobrinha de comer...”, muitos anos! E a quantidade de moradores de rua que são velados pelas praças e monumentos do centro da cidade? São inúmeros!
Dia desses, travei uma curiosa conversa no sinal ao lado do colégio gigantão da Prata. Um moço de estatura mediana, com uma placa de isopor e os dizeres de que era venezuelano e precisava de ajuda, caminhava pela faixa de pedestres e vem justamente em minha direção. Estira a mão. Pergunto: ¬ Olá. Ele responde: – Olá. Pergunto: – Como estás? Ele responde: –Tudo bem meu patrão. Daí reparo um pouco que seu fenótipo é bem mais assemelhado com brasileiro e sertanejo do que andino... Volto a perguntar: – És de que província? Ele chega mais perto e responde: – Não meu patrão, sou do sertão. É que tá “colando” dizer que sou da Venezuela. – Tudo bem! Respondi. Até mais. E cada um vai tentando se virar como pode em um cotidiano perverso, tempos difíceis e sem horizonte.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 20 de novembro de 2021.
Por favor! Me permitam uma correção em meu comentário anterior, onde afirmei a autoria da frase: "Fora da caridade não há salvação" seria de Paulo de Tarso, mas na verdade esta frase pertence ao grande codificador do Espiritismo ALLAN KARDEC; Onde Fora da Caridade não há salvação" é um retruque de Kardec à sentença dos católicos: "Fora da Igreja não há salvação".
Eita professor, essa crônica foi mais realista do que retratista, como diria o saudoso "Odorico Paraguaçu".
Parabéns mais uma vez, pelo belo relato do cotidiano mais real e cruel da vida daqueles que são os verdadeiros " sem identidade", ou melhor: "Os invisíveis" de nossa sociedade capitalista que, nesta época de natal, vestem a roupa de uma conotação mais socialista e comunista, para reparar o mal que fez durante todos os meses de janeiro a novembro.
Como já dizia o grande apóstolo Paulo: -" Fora da caridade, não há salvação"! Então: cuidemos em nós salvar: salvar de que eu não sei:
Até a próxima, Prof. Thomas!