
Certa vez, em busca de um importante sítio arqueológico na Serra da Margarida, na zona rural do município de Salgado de São Félix, fiquei totalmente perdido na mata, ou melhor, ficamos. Fazia parte de uma equipe de pesquisadores junto a três exímios conhecedores das serras e planícies da região, eram os guias: o caçador João dos Santos Nascimento (o João Sobrinho), o artesão e desenhista José Pessoa (um verdadeiro patrimônio do município) e Antônio Lucas, da Secretaria de Educação do Município.
Íamos atrás de uma necrópole indígena já visitada pelo velho pesquisador Leon Clerot no longínquo ano de 1944, onde existiam vários artefatos indígenas, além de esqueletos de seis nativos. O relato desta investida à Vila de Salgado (nome primitivo de Salgado de São Félix, à época pertencente a Itabaiana) encontra-se no livro ‘30 anos na Paraíba: memórias corográficas e outras memórias’ publicado em 1969 e reeditado mais recentemente pela coleção ‘Edições do Senado Federal’ (vol.87).
Antes da partida, ainda mesmo na zona urbana, percorremos algumas ruas a procura de pessoas longevas que pudessem nos informar sobre algumas histórias do lugar e encontramos o Sr. Félix Xavier Jordão, um autodidata com uma admirável experiência e profundo conhecimento do município, a quem devota juras de amor: “Nasci aqui, morrerei aqui e se eu nascer de novo, se Deus quiser quero nascer aqui mesmo... Amo essa terrinha”. Ele nos informa sobre uma ‘Pedra da Caveira’ existente na Serra da Margarida, informação confirmada por Zé Pessoa, a partir de então, não tivemos dúvida de que ela era exatamente o que procurávamos.

Partindo da cidade rumo à Granja Progresso, era possível observar as serras do Bode, do Alagamar, do Rodeador com seus penhascos e grotas profundas ornados por uma vegetação de transição entre a caatinga e a mata atlântica, com riachos cheios carreando o sobejo precioso para outras paragens, rumo ao Rio Paraíba. No sítio Progresso, um morador nos ensinou com certa dificuldade o caminho da ‘Pedra da Caveira’ e no mesmo instante partimos. Alertou-nos o camponês que, por ter chovido muito, a mata estaria densa e os caminhos escorregadios. Após uns 250 metros, adentramos em uma vegetação serrana em que se observara mesmo a zona de transição, como é perfeita a natureza! Juremas, Catingueiras, Marizeiros, Jucás, Gameleiras em um ambiente imponente. A imensidão verde exalava seu perfume clorofilado; florações de Juremas Brancas rompiam a homogeneidade verde da floresta e o sol, vez por outra, dava o ar de sua graça, quando as copas das frondosas árvores assim permitiam. Pássaros pareciam nos conduzir pelos caminhos, ou nos confundir; sombras ao longe pululavam ligeiras nas copas das árvores, pareciam pequenos primatas. O caminho por meio de veredas era constantemente engolido pela vegetação que dava a nítida impressão de ser totalmente selvagem. Por muitos momentos tivemos que nos agachar tanto que encostávamos as mãos no chão. Envoltos por tanta natureza, vez por outra ficávamos imobilizados, enquanto as foices dos guias bradavam, abrindo caminhos.

Com o sol à pino, avistamos a lagoa do Mariz, desnível entre serras que acumula de maneira natural águas pluviais que banham aquele recanto serrano. Ali, as águas caprichosamente encobrem parte de troncos de dezessete Marizeiros. Duzentos metros após, a vegetação se abre. A partir de então caminhamos – no sopé da serra – por um capinzal da altura de nossos ombros. A sensação é intrigante, pois não sabíamos o que se tinha embaixo dos próprios pés, além dos charcos segurando nossos pés. Por ali fomos contornando a floresta, buscando caminhar sem se perder. Sem dúvida o percurso seria maior, mas a noção de localização seria favorecida.

Segundo os guias, a ‘Pedra da Caveira’ é enorme. Compõe um lajedo ocupando grande parte da serra. Contudo, a visão da pedra e a real localização foram bastante dificultadas pela fina chuva e a cerração que cobriam a floresta dificultando a locomoção serra à cima. Quatro horas se passaram, em resultado, não sabíamos onde estávamos. Os guias nunca foram à furna onde jaziam os indígenas, conhecem a dita ‘Pedra’, mas não o cemitério.
Perdidos no mato, sem forças, sedentos e famintos, não tivemos outra decisão a não ser desistir. Pior é que avistávamos relances da Pedra, mas, entorpecidos, ficamos sem ação. Na pesquisa de campo, muitas vezes somos vítimas destas ‘artimanhas’ da natureza que miticamente parece até ocultar as suas riquezas, causando-nos o insucesso, cuja consequência é sempre o planejamento para uma nova investida.
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