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TURISMO & HISTÓRIA

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  • Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Reencontro no Bar do Anacleto


22 de setembro de 2017, comemorando seus 80 anos

TEM UMAS TRÊS semanas que o amigo Fábio Santana me ligou. Eu estava em meio a uma entrevista para uma pesquisa que estou realizando. Mandei uma mensagem dizendo que não poderia atender, mas que retornaria assim que findasse o compromisso. As horas foram passando, a conversa se estirando como um tapete sendo tecido pelas memórias de uma mente quase centenária, extremamente lúcida e preciosamente admirável, até que já eram oito e meia da noite e resolvi retornar à ligação:


– Olá meu querido, demorei um pouco mais do que esperava, diz aí;

– Rapaz, vim aqui pra Anacleto, dá uma passada por aqui;

– Fábio, eu ainda não fui aí depois que seu Anacleto partiu... não tô preparado. E decidi ir para casa.

Duas esquinas depois, liguei para ele perguntando como estava o ambiente, se tinha muita gente, já visualizando no console do carro a máscara e o álcool setenta, ele respondeu que só estava ele, George e Salvador com a esposa, além de Chorão, irmão de Salvador e um dos filhos de Anacleto que, na oportunidade, servia os últimos tira-gostos do dia. Era uma quarta-feira e o Flamengo jogava uma de suas partidas na Copa Libertadores contra um time argentino, motivo do encontro àquela hora.


O quase centenário prédio da Fábrica Marques de Almeida, no dia retratado.

O bar do Anacleto é um dos últimos redutos boêmios do centro de Campina Grande e complementa o bar Ferro d’Engomar, repousado em sua frente desde a década de 1930, representando o entorno das Boninas, uma área de grande relevância histórica para a cidade e seu Anacleto nos deixou há dois anos, um amigo excepcional e que com seu suor dedicou-se ao trabalho na cidade desde 1963 – vindo de terras pernambucanas – onde montou uma barraca que vendia gelada de coco com o ‘pão molhado’ no molho (graxa) da carne, virando sucesso entre os trabalhadores da Rua Venâncio Neiva e arredores até chegar ao bar e restaurante que manteve por 36 anos e nos deixar órfãos de seu delicioso café coado que só ele fazia e animava operários desde as 4h30 ou 5h da manhã, mantido hoje pelos seus filhos.


Chego à Rua Getúlio Vargas e encosto meu carro em frente a calçada onde o amigo Naldinho empalha cadeiras há décadas. O silêncio da noite, das lojas fechadas, me fez sentir mais forte as batidas do coração. Paro na esquina e fotografo o prédio da antiga Fábrica Marques de Almeida, belíssimo prédio, não tão bem cuidado, mais parecendo um bolo de noiva que, soberbo, observa todos que passam há quase um século, foi quando pude ver o céu, escuro, sem lua, mas com nuvens que deslizavam de maneira esfumaçante em múltiplas direções, confundindo os sentidos. É nesse prédio que uma porta está aberta, sua luz acesa e três degraus separa a escuridão da noite do aconchego quase familiar.


A noite no entorno das Boninas

Subo o primeiro degrau, vejo uma foto ampliada dele bem de frente, ocasião em que escorado um dos pés em um tronco de coqueiro, contemplava o mar de Lucena, onde tinha uma casa e nos encontrávamos quando ele se dava ao direito a tirar uma folguinha. Fábio se levanta e eu não controlo o choro. Um filme passa como um lampejo de um relâmpago em minha mente, uma dormência sobe dos pés e eu tenho a breve impressão que poderia perder os sentidos. Abraço Fábio, saúdo os presentes, sento em um tamborete, do jeito que gosto. Me debrucei na mesa e nem a pedra fria de mármore era capaz de domar aquela emoção. Com os braços recostados, olhei para onde meu pescoço permitiu, vi imagens de ontem, lembranças de hoje, que farra boa foi comemorar seu aniversário de oitenta anos em 2017, momento em que sentou ao meu lado e com toda a paciência contou páginas belas de sua vida. O amigo George me serve uma dose de cachaça matuta com mel, atônito tomei aquele gole sem antes saudar o meu querido amigo, que no paraíso está esbanjando a generosidade, respeito, hombridade e a polidez que toda Campina conheceu e reconheceu, não lhe dando quaisquer inimizades, tendo sempre as portas abertas. Parecia estar em transe, recebendo as boas energias, senti ele perto de nós.


Esse reencontro ia ter que acontecer. Seu filho Chorão me deu conta de que quase todo mundo que entrou no bar depois da partida de Anacleto, não conteve a emoção. Essa foi a minha vez. Na última semana completou dois anos de seu encantamento e - parafraseando Sérgio Bittencourt - naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele dói em todos os seus familiares e amigos. Anacleto, presente!


Leia, curta, comente e compartilhe com quem você mais gosta!


Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 11 de junho de 2022. Leia também: Réquiem para Anacleto no link: Réquiem para Anacleto (turismoehistoria.com)


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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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