ÀS MARGENS DO RIO GARGAÚ, nos idos do longínquo século XVI, foi construída uma Igreja com o intuito de abrigar uma missão religiosa – a Missão do Gargaú, formada em fins de 1592 – guarnecendo esta porção de rio, nas proximidades da desembocadura do Rio Paraíba. A Igreja tem como padroeira a Nossa Senhora do Livramento e em sua volta está atualmente situado o distrito de Livramento, de quem é Matriz, nos limites do município de Santa Rita-PB.
A Igreja, que foi transformada em paróquia em 1813, está aos cuidados do Administrador Paroquial: Pe. José Romualdo de Oliveira. Em janeiro de 2013 quando conheci o templo religioso quem estava à frente era o Pe. Antônio Souza da Silva, aquele momento foi marcante porque vi um interessante trabalho sendo desenvolvido pelo Padre Antônio.
Chegado na Paróquia no meio do ano de 2012, Padre Antônio buscou conhecer e imediatamente desenvolver um trabalho de resgate de ritos religiosos e de integração de toda a comunidade, comentou que o lugar precisava de um trabalho mais incisivo, evitando a dispersão principalmente dos jovens. Iniciativas como reorganizar um coral, ministrar algumas vezes em latim e resgatar a história da paróquia estava em seus planos, comemorando naquele ano os 200 anos da paróquia, integrante da Arquidiocese da Paraíba.
O mais interessante é que o Padre Antônio possui experiência em restauração de igrejas, participou de vários trabalhos de restauro em templos de Olinda-PE, e muito por conta desse trabalho, possui um grande conhecimento e um senso de educação patrimonial admirável. “Esta é a 6ª construção mais antiga do litoral paraibano, estamos diante de um interessante patrimônio histórico que merece cuidados e atenção dos órgãos de proteção”, me disse o Padre que havia enviado recentemente os livros de registro da Igreja para o Arquivo da Cúria para a meticulosa atividade de restauração, trabalho de salvaguarda responsável por deixar o acervo disponível para pesquisa posteriormente. Inclusive, nesse acervo, há possibilidade de estar registrado o falecimento do Braço de Peixe, o índio Pirajibe.
Os moradores mais antigos dão conta de que no passado, em invernos mais rigorosos, uma série de ossos já afloraram nos arredores da Igreja, fruto de antigos sepultamentos que perfaziam o antigo cemitério, que ocupara uma extensa área do outeiro. Um frondoso Oitizeiro, defronte a Igreja, é cercado de muitos mitos, muitas histórias. Ali nas proximidades, imediatamente na margem do rio, existiu um fortim e neste, uma capelinha onde antigos habitantes foram batizados, lugar de culto muito interessante. Curioso é que do altar da Igreja existe um óculo que tinha a função de uma viseira, de onde se avistara justamente o fortim e a “boca do rio”. Era muito sábia a estratégia de proteção de portugueses e espanhóis no desenvolvimento da colonização das Américas.
De arquitetura maneirista, que foi a pedra angular da história arquitetônica e artística de influência européia no Brasil, com feições austeras e regulares, o templo possui poucos detalhes no frontão. Em seu interior, o destaque é um soberbo altar insculpido em pedra calcárea emoldurado por um belo e consistente arco. Uma particularidade bastante interessante que merece destaque é que na porção inferior do altar (na base onde se põe os paramentos) vemos alguns detalhes irregulares e em uma atenta observação se constata que aquilo não se trata de uma falta de esmero ou um posterior vandalismo ou mesmo a desfiguração pétrea ao longo dos séculos, mas sim, naquele ponto, sua feitura foi apressada, não podendo ficar sem os detalhes que recheiam todos os arredores do altar de forma harmônica. O que podemos inferir a respeito? Será que houve a necessidade de abreviar o tempo de construção? Se sim, por que? Sabemos do imediatismo do empreendimento colonial português e de suas dificuldades, mas o que ocorria naquele momento histórico? Outra coisa, o óculo no lado esquerdo do altar é simplesmente um buraco circular, distoante da estética arquitetônica que recomendaria um frizo e um fino labor em seu interior. Teria também sido feito às pressas em fins da construção?
Essas são perguntas que um dia podem ser respondidas, são novas luzes lançadas para o estudo da história da Paraíba que ainda há muito o que se contar, há muito o que se compreender. O litoral paraibano é preciosamente rico, muito se tem a descobrir, muito se tem a preservar; patrimônio histórico que deve ser bem cuidado, sem dúvida um elo com nosso passado colonial.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 28 de outubro de 2023.
Parabéns Thomas Bruno pela oportunidade de conhecer facetas de nossa história perdidas no tempo ou na falta dele. Sempre acompanhando suas produções. Precisamos de seu trabalho.