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TURISMO & HISTÓRIA

Notas para um jornalismo literário e histórico

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  • Foto do escritorThomas Bruno Oliveira

Um vestido listrado


Uma cozinha (Nostalgiarama)

Eu sentava sempre na mesma cadeira, uma ponta de mesa após a porta, de frente a pia de lavar e de costas para a velha geladeira. Ela ali, à minha frente, debruçada na pia, lavava a louça do café. Enquanto eu bebericava mais uns goles daquele néctar vital para nossas vidas, no rádio, o locutor tentava – com certo esforço – animar aquela manhã fria de sábado.


Sua formosura, real ou imaginária, condensava os meus maiores sentimentos e povoava minhas ideias com uma volúpia sensível e extravagante, lasciva e também terna. Seu nome de tão miúdo, poderia sair com um sussurro, sua exegese é uma verdadeira composição que combina a geografia do seu ser com as vogais que aformoseiam sua delicadeza, concebendo uma poesia de carne, alma e sons. Vez por outra, virava o pescoço e me espiava. Sorria com uma profundidade que nem Calíope um dia conseguira, seus olhos e uma leve torcida no cantinho de boca, flagrara de mim um olhar de desejo que a contemplava como uma musa. A fumaça do café fluindo da xícara na altura da boca, criava uma cortina aconchegante, como a maciez de um lençol de linho...


(Nostalgiarama)

Põe a mão na cintura, causando um pequeno levante no vestido, dando ainda mais formas ao corpo; uma sintonia química, amorosa, poética nos envolvia cada vez mais, quando sua mãe avisa que vai à mercearia na vizinhança comprar alguma coisa: alho, limão, que importa? Não demoraria mais que cinco minutos e ao fechar o cadeado, era aberta uma passagem secreta para outros mundos. Ela solta de imediato o que falta da louça e vem em minha direção sem sequer piscar os olhos. Os poucos metros entre a pia e a mesa, pareciam muitos, n’um caminhar suave e intenso, mise en scène em câmera lenta, como vemos no cinema. As listras de seu vestido me envolvem como tentáculos. O esperado beijo entre olhos fechados e abertos, na sensação de comprovar o que estava realmente acontecendo, unia com mel de jandaíra nossas bocas, lábios, escorrendo sobejo pelo pensamento.


Da exposição 'Magia e Sedução'da artista plástica pernambucana Edna Lins em Caraguatatuba (101.1FM Oceânica)

Na tentativa de correr para o quarto, ela insistia que não tínhamos nada mais do que cinco minutos! No caminho fomos tomados por um transe gerado por seres divinos e fantasmagóricos; palhaços e bruxas faziam tudo escurecer e quando percebemos, estávamos em um redemoinho que nos movia rapidamente para o céu; sorrisos e caretas, uivos melancólicos e gritos giravam esse caleidoscópio de seres mágicos e mitológicos; atônitos com tudo aquilo, somos puxados para o meio desse escuro furacão, apertando-nos de maneira tal que quase nos tornamos um só. O brilho e a intensidade do seu olhar eram marcantes e penetrava minha alma como flechas incandescentes n’um frenesi sublime. Unidos, atônitos, extasiados, muito felizes, escutamos o chacoalhar das chaves a abrir o portão. É quando o furacão aterrissa em seu quarto, diminuindo rapidamente o girar, e os seres míticos deixaram no ar apenas uns misteriosos sons ao romper a fronteira dos mundos... A pouca luz que conseguira transpassar a cortina amarelada parecia agora ser a única testemunha daquele abraço, daquele beijinho, daquele olhar, sempre intenso.


– Mãe, a senhora esqueceu o detergente?


E ali estou eu, com o olhar distante nas frestas de luz da janela, sou despertado pelo diálogo entre mãe e filha, absorto que estive em uma viagem transcendental levada pelo amor e pelo desejo. Mas tudo aquilo parecia ser tão real que bem que poderia ter acontecido.


– Mãe, estou toda molhada, vá comprar o detergente vá.


O cadeado se fecha, agora meu olhar felino se perde nela. Sussurro seu nome, ela olha para mim da mesma maneira que imaginei, hora de transformar em realidade meus devaneios? – Ou meu amor, estou toda suja, molhada, descabelada. Deixa eu terminar aqui e tomar banho que a gente conversa.


Em desprezo ao seu ato seco, antirromântico e protocolar, pus mais uma xícara de café e me propus a contemplar a sua fumaça, com a imagem dela vestida de listrado ao fundo, e voltei a sonhar.


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O começo

Durante anos temos viajado por diversos lugares para o desempenho de pesquisas e também para o deleite do turismo de aventura. Como um observador do cotidiano, das potencialidades dos lugares e das pessoas, tenho escrito muitas dessas experiências de centros urbanos como também de suas serras, montanhas e rios. Isso ocasionou a inspiração de algumas pessoas na ajuda em dicas de viagem.
Em 2005, iniciamos uma série de crônicas e artigos no Jornal Diário da Borborema, em Campina Grande-PB e após anos, assino coluna nos jornais A União e no Contraponto. Com o compartilhamento das crônicas, amigos me encorajaram e finalmente decidi entrar nas redes.
Aqui estão minhas opiniões, paixões, meus pensamentos e questionamentos sobre os lugares e cotidiano. Fundei o Turismo & História com a missão de ser uma janela onde seja possível tocar as pessoas e mostrar um mundo que quase não se vê, num jornalismo literário que fuja do habitual. Aceita o desafio? Vamos lá!

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