A COPA DO MUNDO de futebol é uma celebração das nacionalidades, é sinônimo de festa, de alegria e confraternização. Ela nos liga impreterivelmente a nossa infância. Quem não tem uma só lembrança de um momento de copa do mundo em tenra idade que atire a primeira pedra. O famoso torneio encanta, reúne, desperta sentimentos e seu calendário acaba por marcar estações de nossas vidas. Cresci ouvindo frases como: “no dia da eliminação em 82 eu estava em tal lugar”, ou então: “foi naquele ano em que o Brasil ganhou o tetra”. Aqui no Brasil tudo isso é vivido de maneira ainda mais especial, quando se guarda as dificuldades e problemas em uma gaveta para torcer fervorosamente, pois, o que importa é buscar mais uma estrela. Ninguém ganhou como nós, participamos de todas as edições desde a primeira em 1930 e detemos os recordes mais importantes. Em Campina Grande, especificamente, as copas (sempre no mês de São João, menos a atual) lotavam o Parque do Povo e até já apareceu na transmissão, telão dividindo espaço com quadrilhas juninas para a alegria da multidão.
Tive a imensa alegria de ver o Brasil ser pentacampeão em 2002 com os magistrais desempenhos de Ronaldo Fenômeno e Rivaldo, em uma seleção chamada de família Scolari (sobrenome do técnico Luís Felipe) que encantou o mundo e eu, com 15 anos, entendia muito bem o que ocorria. Mas a minha copa não é essa, a que busco no fundo do coração e me emociono, que me faz viajar no cavalo alado do tempo é a de oito anos antes: 1994.
Remexo as gavetas da memória e encontro o relicário recheado de lembranças dessa copa que, para mim, começou meses antes, em setembro de 1993 quando o Brasil, ameaçado de não ir para a Copa, jogou a última partida das eliminatórias contra o Uruguai, só a vitória interessava. Aquela decisão assanhou os mais antigos, afinal, em 1950 naquele mesmo Maracanã, ‘o templo do futebol’, o Brasil perderia para a esquadra azul celeste o título, o famoso Maracanazo. Durante semanas seguidas, o Globo Esporte saia pelas ruas questionando a escalação da seleção e todos pediam a presença do craque Romário. O técnico Parreira relutava, não queria contar com o baixinho marrento, até que, de última hora, o convocou. Romário jogava no Barcelona, pegou um voo, chegou às pressas e entrou em campo.
A mercearia de Papai apinhada de gente atenta ao televisor de 14 polegadas naquela tarde de domingo. Mais de cem mil pessoas nas arquibancadas do ‘Maraca’ e o hino nacional saindo dos instrumentos de uma banda que eu só achava que era da polícia militar, me fez lembrar de clássicos dos maiorais (Treze x campinense) no Amigão quando o hino era lindamente tocado pela banda da PM, tudo grandioso para o olhar daquele menino torcedor, foi emocionante! Mas como o Brasil jogou naquele dia! Dunga, Branco, Mauro Silva, Bebeto, Romário infernizando a zaga uruguaia, bola na trave e as inúmeras defesas do goleiro Sibold. Galvão Bueno narrava e Pelé fazia os comentários. Assistíamos com angústia e atenção, poderia ser pela primeira vez que o Brasil não participaria de uma Copa do Mundo. Termina o primeiro tempo 0x0 e a aflição continuava. Vem o segundo tempo e em uma arrancada pela direita, Bebeto chega à linha de fundo e cruza para Romário que, sozinho, para no ar como um beija-flor e cabeceia para baixo, a bola quica no chão e passa caprichosamente entre as pernas do goleiro uruguaio, é gol! De braços abertos, Romário comemora correndo fazendo um “aviãozinho”, aquele número 11 estufava a ponto de cair da camisa e nós, tomamos a rua e corremos feito loucos gritando e imitando a comemoração do baixinho, imaginem uns quinze moleques, um atrás do outro, de braços abertos pintando a rua de alegria, quanta magia...
Era 27 do segundo tempo, dava para fazer mais e garantir o passaporte para a Copa dos Estados Unidos. Naquele momento, o Uruguai não esboçava muita coisa, mas nunca se pode dar “sopa para o azar” e o futebol sempre apregoou peças. Voltamos para nossos lugares. Dez minutos depois, após uma roubada de bola no meio-campo, Mauro Silva lança Romário que, sozinho, tenta dar o drible da vaca ou o “toque de arrodeio”, dribla o goleiro (que tenta derrubá-lo) e bota no fundo das redes, é gol! Como era final de jogo, comemoramos e pulamos ali mesmo, a alegria era contagiante. Até o juiz apitar o fim, a tensão teimava em não passar. A lateral de campo começava a encher de gente; sinal de que o fim estava bem próximo. É quando o juiz aponta para o meio, acabou! Papai me abraça, eu olho a emoção em seus olhos, ele diz: “Meu filho, vamos para a Copa!”. A última lembrança de copa que eu tinha foi em 90, com cinco anos vi a revolta de Papai com a eliminação para a Argentina no fatídico gol de Caniggia pelas oitavas de final da Copa da Itália.
“Estamos na Copa!”, gritava Galvão, para alívio dos brasileiros. Agora é esperar ela chegar. Momento marcante e toda aquela criançada passou a contar os dias, levada pela magia da seleção canarinho, pena não haver sequer uma fotografia a não ser em nossa memória.
Veja também a crônica 'A vida na mercearia' no link
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A União em 10 de dezembro de 2022.
A minha primeira lembrança de Copa, foi na de 1990 (eu tinha 11 anos) ... eu brincando com amigos na frente de casa, ouvi um grito de gol meio sem graça. Corri para a janela da sala e ouvi Galvão dizendo "gol da Argentina. Caniggia..."
Meu pai inconformado...
Trecho destaque: "[...] Romário que, sozinho, para no ar como um beija-flor e cabeceia para baixo [...]"