NESSAS ÚLTIMAS SEMANAS, os noticiários têm exibido uma verdadeira enxurrada de casos de racismo relacionado ao futebol e em uma escalada crescente entre torcidas de times sul americanos contra brasileiros, quer seja no Brasil como principalmente fora. Esses atos deploráveis têm ofuscado o brilho do esporte e devem ser banidos e seus responsáveis severamente punidos. Entretanto, olhando lá para trás, vejo que sempre tivemos envolto de uma força preconceituosa incrível que permeou grande parte das relações.
Desde muito pequeno que frequento estádios de futebol. Sempre acompanhando meu amado Pai. Seu Paulo Roberto foi quem me ensinou a torcer pelo Treze Futebol Clube, o seu time do coração. Nada de incomum nesse enredo para quem mora em nosso Brasil que se vangloria em ser “o país do futebol”. O primeiro grito de “é campeão” foi no título do campeonato paraibano de 1989, tinha eu apenas quatro anos, mesmo assim a memória que trago é do estádio ‘O Amigão’ superlotado, a dificuldade de andar na multidão e a generosa cacunda de Papai; dali, mais alto, vi um senhor em festa com um galo nos braços com a crista pintada em preto e branco, aquilo chamou muito a minha atenção. Detalhe que o Galo é mascote do Treze, mais conhecido como o Galo da Borborema. Lembro também do gol e da festa no fim da partida.
Os anos se seguiam e a paixão só aumentava, a percepção das coisas também. A festa na vitória, o sabor amargo na derrota, foram muitos ensinamentos. Já maiorzinho, uma coisa me incomodava: a quantidade excessiva de palavrões, xingamentos ao juiz (e sua mãezinha), ao time adversário, à torcida adversária. Até entender o quanto aquelas atitudes eram comuns. Lembro demais da copa do mundo de 1990 e da eliminação do Brasil com o gol de Caniggia, vi gente quase enfartar. Cresci não vendo atitudes amistosas entre os países sul americanos e muita rivalidade. Lembro que qualquer goleiro nosso que ia bater o tiro de meta, ouvia da torcida de Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile um coro com um termo que na língua deles é o equivalente a gay. Com mais idade, passei a ver as torcidas organizadas serem criadas e passarem a se caçar antes e depois das partidas e seus nomes eram ditos pelos adversários com termos homofóbifos ou elencando o feminino. Certa vez, uma amiga da escola torcedora do rival do Treze em Campina Grande, o Campinense (cujo mascote é raposa) disse: “Amanhã vamos ganhar da galinha!”, se referindo ao Galo. Esse é um outro exemplo de atitude preconceituosa, quer dizer, se tenta atribuir ao outro o feminino ou a homossexualidade como uma maneira de diminuir o oponente.
E os preconceitos seguem: Lembro que em 2000, o Treze foi campeão em cima do Botafogo (da capital), estávamos no estádio e nos surpreendemos com o coro da torcida adversária nos chamando de “matuto”, o que ocorreu o com próprio Campinense que no último sábado se sagrou bicampeão paraibano e seu time e torcida ouviram o mesmo termo. A resposta bem-humorada foi usar um chapéu de palha. Em 2018 o Treze foi à Caxias do Sul-RS e conquistou o acesso a série C do brasileiro, eliminando o time local. Sabe como a torcida visitante foi recebida? Com grãos de arroz e feijão aos gritos de “Bolsa Família”, por ser do Nordeste. Na última Copa do mundo, uma famosa jornalista afirmou várias vezes que a seleção tal foi “macho demais”, como sinônimo de que jogou muito bem. Aqui são só alguns exemplos dos absurdos que esse ano estão ainda mais fortes.
Essa semana tivemos a derradeira rodada da primeira fase da Copa Libertadores da América, principal competição de futebol entre clubes profissionais da América do Sul jogada no continente desde 1960 (com uma recente versão feminina). Pois bem senhoras e senhores, torcidas latinas que vieram para o Brasil ficaram imitando macacos, fazendo gestos característicos e quando alguns times brasileiros saíram do país, o fato também ocorreu. Na última quarta-feira a torcida do Ceará foi recepcionada na Argentina por alguns torcedores, inclusive crianças, com gestos de macacos. Na hora em que vi a cena, lembrei da frase dita pelo Presidente daquele país, o Alberto Fernández, ano passado: “Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós, argentinos, chegamos de barcos. E eram barcos que vieram de lá, da Europa”. Uma fala desastrosa em que só reforça todo tipo de preconceito, inclusive a xenofobia.
As fases finais estão por vir e a Conmebol deveria punir os times esportivamente e não com pequenas multas, assim como hoje ocorre com quem joga algum objeto para acertar alguém em campo, o time é punido com jogos de portões fechados caso o agressor não seja identificado pelo clube mandante da partida ou ainda pelo restante da torcida, desestimulando à força o ato violento pelo grande prejuízo a ser causado.
São inúmeras as barreiras que temos em nossa sociedade que parece cada vez mais doente, mesmo assim, devemos agir veementemente em nossos espaços e em nossas relações sociais para que o preconceito seja sempre combatido e busquemos um mundo mais justo.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' no Jornal A União de 28 de maio de 2022.
Bela Crônica!
Faz referência a um tema muito delicado, o "racismo", a "Xenofobia", o "machismo", mas tudo se resume a um único problema: a falta de "RESPEITO"; quando houver respeito e empatia entre os semelhantes, não existirá nenhuma destas agressões.
Tenho esperança que a humanidade um dia irá respeitar seu semelhante, e assim vivermos em paz.