Mitos e lendas da PB: Santa Clara
- Thomas Bruno Oliveira
- 21 de ago.
- 3 min de leitura

UMA CERTA VEZ, numa das bonitas páginas da infância, não só minha, mas também a de primos e vizinhos, reproduzimos um mito, uma lenda, um conto popular de interessante significado. Isso ocorreu em mais um dos meses de outubro, época em que meu pai – aproveitando o verão – fretava um ônibus para passarmos um dia todo na praia (eventualmente essas viagens que reuniam populares, ocorria no mês de janeiro). Quase todos os ocupantes daquela lotação tinham naquela a única oportunidade no ano para frequentar o Litoral, ir à praia, banhar-se no oceano.
Os viajantes, que muitas vezes são chamados pejorativamente de “farofeiros”, descem o planalto da Borborema por um tapete que se estende ao mar. Em outra oportunidade, fiz um relato mais detalhado desse costume. O que posso dizer é que ninguém naquela viagem desejava chegar ao litoral em um momento chuvoso, o que, literalmente, poria “água no chopp”.
Na viagem que mencionei, fomos à Praia do Sol, em João Pessoa. Isso nos começos da década de 1990. Sua areia fina e batida entre os rios Gramame e Mangabeira, circundadas por imponentes falésias e águas revoltas, dão a essa praia uma beleza única. O ônibus estacionou, as bagagens eram tomadas pelos braços dos adultos e as crianças queriam mesmo correr e brincar. Mas a chuvinha miúda (como diz o cantor Assisão) adiou o início do deleite. Nuvens tomavam o horizonte, o tempo estava cada vez mais nublado e eu mesmo não sabia o que fazer para me juntar a alguns garotos que ganhavam o quebrar das ondas molhando os pés. Espalhava-se uma conversa de raio que espantou quase todo mundo para as sombras e até para o maleiro do ônibus.

Foi nesse momento que minha tia Lucinha nos chamou, quase tomando pelas mãos, e nos falou que, para a chuva passar não havia outra alternativa que não fosse rogar a Santa Clara. Imediatamente, deu alguns passos e pegou um galho, caminhou com ele –à moda de um cajado – e ali a criançada esperava por um milagre. Pacientemente, desenhou um grande sol no chão e pediu que repetíssemos um mantra: “Santa Clara clareou, Santa Clara clareou, Santa Clara clareou...” e começou a circular o sol, ora batendo palma, ora metendo o galho n’areia. A gurizada entrou na dança e, se houvesse uma filmagem daquele momento, era possível enxergar uma coreografia que mais parecia um ritual indígena ou de alguma religião de matriz africana. Alguns faziam gatimonhas, batiam um dos pés com mais força (seria uma memória antropológica, como diria meu eterno Professor Josemir Camilo?), alguns imitavam, outros riam e cerca de dez minutos após, o sereno foi se desfazendo e alguns raios de sol eram refletidos nas verdes águas do Atlântico.
Nos costumes e na expressão da literatura oral de um povo, os mitos e lendas são de significativa importância e dão todo o sentido a existência, qualquer que seja a sua origem. Santa Clara de Assis, celebrada em 12 de agosto, foi criadora da ordem das Clarissas, a primeira ordem de mulheres religiosas fora da clausura, iniciando um tempo novo na igreja católica apostólica romana, isso no séc. XIII. O mestre Câmara Cascudo menciona a oferta de farinha a Santa Clara, o que nos faz lembrar um costume corrente em antigas quadrilhas juninas em Campina Grande, cujas apresentações ao ar livre necessitavam bom tempo, então se desenhava um sol e o contornava com farinha. Já o costume vindo de Portugal dá conta da oferenda de ovos a Santa Clara. Isso porque moradores de uma cidade vizinha a Assis, durante uma enchente, se refugiaram no convento de Santa Clara. Após as orações, em gesto de agradecimento, não possuindo outra coisa a ofertar, esses moradores ofereceram ovos para as freiras; tanto é que o Papa Francisco, quando esteve no Brasil, sabendo da previsão de chuva, pediu que oferecesse uma cesta de ovos a Santa Clara e o tempo ficou bom.

“Santa Clara clareou” evoca luz e dias melhores na umbanda, “alimpa o dia” como afirma Cascudo; filosoficamente, traz clareza e iluminação para nossas vidas, e, na praia, naquele veranear, espantou a chuva e garantiu a alegria. É como canta Jorge Ben Jor: “Santa Clara clareou oh oh!/ E aqui quando chegar vai clarear ah ah!/ Os meus caminhos. Viva Santa Clara.
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 16 de agosto de 2025.
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