Pelos Sertões em busca do passado
- Thomas Bruno Oliveira
- 13 de jun.
- 3 min de leitura
Para Niède Guidon

O SILÊNCIO DA MADRUGADA da última quarta-feira testemunhou o encantamento da arqueóloga Niède Guidon aos 92 anos de idade. Ela dedicou uma vida inteira a estudar a presença humana nas américas através das pesquisas na região da Serra da Capivara. Foi revolucionária e mudou sensivelmente a arqueologia brasileira. Há 14 anos, em um verdadeiro périplo pelo interior do Nordeste, tive a honra de conhecê-la. Trago um relato de viagem um pouco mais longo que os de costume. A você, caro leitor que me acompanha nesta coluna semanal, peço licença para contar essa história que só será concluída na próxima coluna. Então vamos lá...
E as três e um pouquinho da madrugada ouço uma aguda buzina. Seu “pan-pamm” imprudente só poderia vir dele, meu amigo Prof. Juvandi Santos que de tão apressado desejava coisa surreal como que ao fim daquela mão no seio do volante, em um piscar de olhos, eu estivesse no assento ao seu lado no carro; desprezando a realidade que é pegar a bagagem, encontrar espaço no porta malas, fechar a casa, entrar no carro e ainda ouvi-lo com a face desfigurada em raiva: “essa demora todinha? Vamos embora”. Pura marra que o tempo de convivência me convenceu a não levar em conta. Naquele exato minuto da “bronca”, ele sai com um “oi amiguinho, você está bem?”, em ato contínuo cai na risada. Esse Juvandi...
Caruaru-PE - TB
Nosso objetivo era chegar à Serra da Capivara, nos confins do Piauí e a equipe de viagem foi formada por quatro brasileiros (Juvandi, seu Pai Armando, o companheiro ingaense Dennis e eu) e seis franceses integrantes do grupo de espeleologia ‘Terre Et Eau’, alguns deles Juvandi conheceu na Cidade Luz quando cursou nos bancos universitários da Paris X (Nanterre) em sua primeira viagem a Europa. Os espeleólogos vieram ao país para conhecer cavidades naturais brasileiras e o patrimônio cultural nela contidas. Foi, portanto, uma espécie de “missão” franco-nordestina que durou quase dez dias.

O primeiro destino foi Recife e eu sem entender o porquê de tomarmos aquela latitude e não já se embrenhar sertões a dentro, até descobrir que o Marcus Barboza estava na Veneza brasileira e todos deveriam partir de lá. Entre um cochilo e outro, me dou com a pracinha e a pomposa torre da igreja de Nossa Sra. da Boa Viagem envolta daquele mormaço que só Recife tem, e seguimos pela BR232 que reparando no mapa, parece ser uma meia irmã da nossa 230, a afamada transamazônica, correndo em paralelo. De estômagos ressabiados, paramos para almoçar em Caruaru e ali no restaurante desfraldamos um mapa rodoviário que foi o guia do nosso palmilhar por toda a viagem. Era preciso perícia em saber ler o que dizia cada número miúdo e cada cor entre linhas em intermináveis dobras em papel. São Caitano, Belo Jardim, Sanharó, Pesqueira, Arcoverde e as cidades vão surgindo com suas cores emolduradas ora pelo rio Ipojuca, mais à frente pelo rio Pajeú, ora por serras e montanhas que só uma orografia detalhada seria capaz de dar conta. No trecho de estrada batizado por ‘Rodovia Luiz Gonzaga’, enquanto eu assobiava “Riacho do Navio”, chegamos à Serra Talhada. Isso já sob o véu da noite. Na pousada de mesmo nome nos arranchamos e ansiei pelo raiar do sol. Como diz o dito popular “o que a noite esconde, o dia revela”, me encantou sair pelo corredor e me deparar com a morfologia escarpada de uma serra que tomou conta da paisagem, e entendi exatamente o porquê de seu nome e seria uma afronta aquela urbe não se chamar Serra Talhada.
Serra Talhada-PE - TB (Clique na imagem e deslize para o lado)
Mas o foco era o Piauí e não deu sequer para visitar o Museu do Cangaço e continuamos por quase 400km descendo o vale do São Francisco até a próspera Petrolina, que aprendeu a semear frutas de grife que voam para os mais diversos países. Juazeiro estava do outro lado e parecia não gozar o mesmo desenvolvimento. Mais um pôr-do-sol, mais um ocaso, e ali estávamos às margens do São Francisco bem próximo da ponte que separa Petrolina-PE, de Juazeiro-BA. Lúmens iam acendendo aos pouquinhos e naquele trecho de rio, escorado em uma canoa encalhada, eu relembrava os versos da música ‘Petrolina, Juazeiro’ do olindense Jorge de Altinho “Hoje me lembro que no tempo de criança/ Esquisito era a carranca e o apito do trem/ Mas achava lindo quando a ponte levantava/ E o vapor passava num gostoso vai e vem...
Nas margens do São Francisco... - TB
>>> Continua...
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Publicado na coluna 'Crônica em destaque' do Jornal A UNIÃO em 07 de junho de 2025.
Aí, duas aventuras em uma: a viagem e a empresa espeológica. Viajar... polvilhado nossa presença por aí ... e colhendo memórias de momentos da jornada... eita coisa boa!